NOVEMBRO NEGRO NA ADUFRGS-SINDICAL: Secretária da Mulher Trabalhadora da CUT-RS, Ana Cruz, considera que o estudo é a grande libertação para combater o racismo estrutural

Ana Cruz tornou-se bióloga, feminista e antirracista graças ao apoio que recebeu de sua mãe, dona Therezinha Cruz, uma mulher preta estilista e costureira que a criou sem a presença do marido, que faleceu precocemente. Essa é a história da titular da Secretaria da Mulher Trabalhadora da CUT-RS e diretora do Sindiágua, que conversou com a ADUFRGS-Sindical durante a sua programação do Novembro Negro.

“Quero agradecer a professora Sônia Mara Ogiba, diretora de Comunicação da ADUFRGS-Sindical pelo convite para essa entrevista. Ela é nossa parceira na luta feminista e antirracista como integrante do Coletivo Vidas Negras da CUT e do Coletivo Estadual de Mulheres da CUT, ambos pertencentes à Secretaria de Combate ao Racismo e a Secretaria de Formação Sindical”, reconheceu.

Ao falar sobre o enfrentamento ao racismo, Ana citou uma série de lutas, que causam exclusão, entre elas, a falta de mulheres na ocupação dos espaços de decisão públicos e privados.

ADUFRGS-Sindical – Como você vê a participação das mulheres no movimento sindical, em especial, as mulheres pretas?

Temos um déficit muito grande de contribuição de mulheres negras e não negras no movimento sindical. No meu sindicato, por exemplo, onde temos 16 membros na diretoria executiva, somos apenas três mulheres, entre elas, sou a única preta. A população brasileira é heterogênea, tem diversidade, e precisa estar unida nas lutas por igualdade de direitos e oportunidades.

Como você vê a trajetória das mulheres negras no movimento sindical?

Durante muito tempo, a estrutura da sociedade não permitia que as mulheres participassem de espaços e atividades desenvolvidas por homens. Com o passar do tempo o público feminino foi se agregando. Eu ingressei como servidora pública da Corsan, na década de 80, no primeiro concurso público depois da Constituição Federal de 1988. Lá no meu local de trabalho tínhamos um número muito reduzido de mulheres, principalmente pretas.

Existe uma mudança muito tímida em relação a participação das mulheres pretas nesses espaços públicos e no mercado de trabalho em geral. Em virtude da estrutura racista, os pretos e pretas têm que fazer escolhas, ou estudam ou trabalham para ajudar no sustento da família e isso os colocam fora dos espaços.

Conte um pouco de sua experiência na superação do racismo estrutural.

Eu tive a oportunidade de estudar, sou filha de uma mulher estilista, costureira, provedora do seu salário, pois quando meu pai morreu eu ainda era muito pequena. Primeiramente estudei em uma escola de freiras em Santa Maria, minha cidade natal, depois continuei os estudos em escolas estaduais de Porto Alegre. Na Corsan, ingressei no laboratório de Biologia no Pólo Petroquímico, que era o meu sonho, e depois fiz graduação em Biologia na PUC com ajuda do crédito educativo. Mais tarde fiz um curso técnico em química. No laboratório, eu também era a única mulher preta. Minha trajetória é diferenciada, pois a maioria da nossa população preta não tem acesso ao estudo. O estudo é a grande libertação das pessoas.

As políticas públicas dos governos Dilma e Lula oportunizaram o acesso à educação para homens e mulheres pretas. No entanto, o atual governo provocou um retrocesso em relação às ações afirmativas para garantir o acesso da população negra aos estudos. Na minha opinião, a educação é o caminho para busca de novas oportunidades e de combate ao racismo estrutural.

Como você ingressou no movimento sindical?

Fui convidada por um dirigente sindical que trabalhava no Polo Petroquímico. Eu sabia que não seria uma tarefa fácil. Tudo o que os trabalhadores conquistaram até aqui foi através da luta dos sindicatos, das suas centrais e federações. Eu tive que sair da minha zona de conforto no laboratório, fazendo o que eu adoro, para ingressar no mundo sindical. A tarefa é árdua, pois dentro do sindicalismo ainda existe muito machismo.

Na CUT-RS, eu enquanto bióloga, também atuo nos conselhos de meio ambiente e câmaras técnicas, a qual temos representação pelo Sindiágua. Hoje estou frente à luta das mulheres, pelo feminismo. Sempre fui feminista e não sabia disso, mas a formação sindical me despertou. É um mundo transformador! O nosso sindicato tem uma comissão de mulheres há 21 anos, que estão distribuídas em todo Estado. Estou frente à Secretaria de Gênero, Raça, Minorias e Aposentados do Sindiágua. A quantidade de mulheres atuando em todos os espaços do tratamento da água vai mudar nossa relação interpessoal com os homens. Temos a mesma capacidade técnica e intelectual para fazermos o mesmo trabalho dos homens. Não queremos ocupar o lugar de ninguém, homens e mulheres precisam andar juntos nessa luta.

Como enfrentar o racismo estrutural?

A população preta precisa de igualdade de oportunidades. Nesse processo, o acesso à educação é fundamental e precisamos de políticas públicas para transformar essa realidade racista. É importante ocuparmos os espaços de decisão. A eleição da bancada antirracista que ocupa seu espaço na Câmara de Vereadores de Porto Alegre foi uma vitória, mas queremos mais representatividade preta nas esferas políticas. Ainda não vemos mulheres pretas em cargos de chefia e temos que conquistar essa oportunidade. É preciso banir o racismo recreacional calcado em piadinhas. Exigir respeito! As políticas públicas são essenciais para as pessoas pretas ascenderem socialmente e ocuparem os espaços que desejam estar. Nossa libertação não teve direitos, fomos tirados de uma escravização e jogados ao mundo sem acesso a uma vida digna. Vamos juntos combater o racismo, a luta é de todos nós!

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