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As aulas presenciais na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) deveriam ter começado no último dia 7 de março, mas foram adiadas novamente, agora para a próxima segunda-feira (14).
Em entrevista ao podcast da ADUFRGS-Sindical desta sexta-feira (11), entidade que representa os professores de Instituições Federais de Ensino Superior do Rio Grande do Sul, o professor Dário Frederico Pasche, do Curso de Saúde Coletiva da Escola de Enfermagem da UFRGS, e representante da ADUFRGS-Sindical no Comitê Covid da universidade, falou sobre o retorno das aulas presenciais na instituição.
Na entrevista, Pasche também analisa a negativa da Reitoria da UFRGS em adotar o passaporte vacinal contra a covid-19, apesar da recomendação do Comitê Covid e da determinação do Conselho Universitário (Consun).
O Comitê Covid da UFRGS recomendou o retorno presencial das atividades para 7 de março, com exigência de passaporte vacinal. Por que a Reitoria postergou para 14 de março esse retorno?
Dário Pasche: Essa é uma pergunta que não só o Comitê está fazendo, como também, imagino, boa parte da comunidade acadêmica da nossa universidade. Foi sugerido pelo Comitê e acatado pela universidade o retorno das atividades presenciais restritas para 17 de janeiro, quando começaria o segundo semestre de 2021. As unidades e cursos prepararam seus planos de ensino, mas fomos obrigados a retardar, numa avaliação do Comitê, por conta do recrudescimento da pandemia e na virada do ano e primeiros dias de janeiro pela grande presença da variante Ômicron, em que pese ela produzir letalidade menor, mas é de grande transmissibilidade. E também havia pressão sobre o sistema de saúde, inclusive em um momento em que está desabastecido de leitos de UTI por conta de perda de financiamento e também porque a pandemia havia diminuído a sua incidência. Então, postergamos para o dia 7. A portaria publicada pela Reitoria trazia 7 de março.
Duas semanas antes, o Comitê volta a avaliar e reafirma que há condições de retomar as atividades presenciais restritas – não são todas – conforme já aprovado em planos. E aí fomos surpreendidos com essa decisão da Reitoria de levar para o dia 14, sem nenhuma explicação. E o que acontece de mais grave é que o Comitê se pronuncia, essa informação vai sendo disseminada, a universidade estava se preparando para voltar no dia 7.
Quando não sai a portaria com 15 dias de antecedência, nós mesmos procuramos a coordenação do Comitê alertando para a necessidade do Reitor se pronunciar, porque faltavam poucos dias para a data e a portaria prevê a necessidade de uma portaria com duas semanas de antecedência. E fomos surpreendidos por essa decisão da Reitoria de levar [o retorno] para o dia 14, sem nenhuma justificativa técnica, ou político-institucional, a não ser, nos parece, uma posição do núcleo central da Reitoria de ampliar as tensões dentro da universidade, sem nenhuma necessidade.
Um argumento levantado en passant no Comitê é que teriam ocorrido as festas de carnaval e em 14 dias estaríamos recomeçando as atividades. Se fosse esse argumento, deveria então ser postergado para um mês, considerando os dias em que se espera as repercussões na transmissão. O vírus, sabemos, tem um período entre 14 e 21 dias para demonstrar o volume de casos novos. Então é uma justificativa que do ponto do Comitê não tem qualquer guarida técnica da avaliação feita pelo grupo. Foi uma decisão, como todas as outras, unânime, não houve qualquer divergência inclusive do bloco que representa a Reitoria nesse Comitê, o que nos leva a suspeitar que o Reitor, o grupo central da Reitoria tem tomado decisões de uma forma oligárquica, são poucos tomando decisões, de forma a não ouvir essa entidade científica que representa a comunidade e todos os setores nessas questões que envolvem o retorno das nossas atividades na universidade.
Ao entrar no site da UFRGS, é visualizada a seguinte mensagem: “A UFRGS não exige comprovante vacinal de Covid-19 para acesso a seus espaços físicos, tanto para atividades acadêmicas quanto para eventos com a participação de convidados”. Qual o posicionamento do Comitê frente a esta postura da Reitoria? Ela não confunde ainda mais a comunidade acadêmica?
Dário Pasche: Esse ambiente, essa falta de coerência entre o que decidem as instâncias da universidade: o Comitê não é uma instância, é um comitê consultivo. Mas você não constitui [à toa] um comitê consultivo, com um grupo enorme de pessoas, que representam a ciência, a universidade, partes das comunidades, alunos de pós-graduação, representantes do DCE, sindicatos de professores e funcionários, entre outros. É uma composição bastante plural, com capacidade de avaliação e sugestão baseadas nas melhores evidências da ciência e de acompanhamento da Covid. A universidade [não a Reitoria] tem falado claramente para a comunidade acadêmica: o Conselho Universitário e a comissão mista, e CEPE, referendam as decisões do Comitê, que diz que o passaporte vacinal deve ser exigido, assim como outras medidas. Quando a Reitoria vai de encontro a essas decisões, ficamos nos interrogando: por quê?
Por que é que uma instituição científica, como a UFRGS, reconhecida nacional e internacionalmente, não adota uma medida que inclusive o Supremo Tribunal Federal, na judicialização das medidas em relação à Covid, determina que é obrigatório? E [determina] que as instituições podem tomar medidas, no caso da universidade, que tem autonomia legislativa, podendo legislar nessas questões internas. E ela legisla, pelo Conselho Universitário. Então, por que é que a Reitoria não acata essa posição? Nos parece que revela um adesismo, e como todo adesismo, algo irrefletido e irracional, um adesismo às medidas do governo federal à gestão da pandemia. E de outro lado, nega a ciência. Temos uma Reitoria negacionista. Qual o desserviço que gera? Ambiguidade de informação. É contraditório. Na página da UFRGS, após essa notícia horrorosa de que a universidade não cobra passaporte, ao entrar em retorno às atividades, há a portaria do Reitor que diz que não precisa de passaporte vacinal e que posterga o retorno para dia 14, e, embaixo, há a terceira versão das Diretrizes para o retorno restrito das atividades presenciais, que diz no seu primeiro item: passaporte vacinal.
Então, do ponto de vista da nossa constituição interna, do ponto de vista da democracia institucional, fica a pergunta: quem é a universidade. Essa universidade, como todas as outras, públicas, é uma universidade que é gerida por um sistema colegiado gestor. O órgão colegiado gestor maior é o Conselho Universitário, que é inequívoco nessa posição. Vivemos uma crise de democracia na universidade e de não respeito a decisões coletivas e científicas.
Dizemos aos estudantes que as unidades estão se preparando e se alinhando com as posições do Comitê. Boa parte das unidades constituíram comitês locais de Covid, como no Curso de Saúde Coletiva da Escola de Enfermagem. Lá a direção toma as decisões junto com o comitê. Além disso, as comissões de saúde do trabalhador também têm feito um trabalho muito importante de observância e construção de diretrizes e regras de biossegurança básica para que possamos ter um retorno restrito seguro, como já estamos constituindo com as atividades que já retornaram.
A Reitoria da UFRGS seguiu o argumento do Ministério da Educação, que dizia que não poderia ocorrer a exigência do passaporte vacinal nas instituições federais de ensino superior. Esse argumento foi derrubado pelo Supremo Tribunal Federal. Inclusive a ADUFRGS-Sindical entrou com ação no STF para garantir o cumprimento da decisão do Supremo. O Consun decidiu por maioria de votos exigir o passaporte vacinal. Qual a expectativa para o retorno às aulas presenciais a partir dessas decisões?
Dário Pasche: Aquele ato normativo do Ministério da Educação, imediatamente quando tivemos contato, vimos o caráter de inconstitucionalidade dos preceitos colocados, até porque a decisão do Supremo é anterior a isso, dizendo: “a vacina é obrigatória”. E cabe à universidade legislar sobre isso. E quem legisla na universidade é a universidade. E essa medida foi cassada. Veja, sob a perspectiva negacionista, e de negligência perante a vida, as organizações tomam inclusive medidas legislativas inconstitucionais, como foi o caso.
O que nós temos de movimentação nas universidades é que as unidades, os nossos colegas, as nossas colegas que administram a universidade na sua base, diretoras e diretores, chefes de departamento, coordenação de COMGRADs, movimentos estudantis, como os da Enfermagem, da Saúde Coletiva, onde estou mais próximo, têm exigido e firmado posição que não entrarão em sala de aula com colegas que não estejam vacinados.
Portanto, esta é uma resistência que é muito mais da direção da universidade do que da base. O que é muito lamentável é que a universidade, quando se pronuncia, faz isso na forma de uma quase intimidação, com enunciados. Esses enunciados têm um subtexto. As unidades não podem produzir gastos extras, não podem exigir passaporte vacinal. Inclusive sugere que aqueles que não concordam judicializem a questão. Temos uma reitoria litigante, que produz litígio, quer ampliar o grau de tensão na universidade.
Os estudantes e professores e professoras desta universidade, na grande maioria, e temos representantes de várias instâncias, têm uma posição hegemônica em relação à exigência do passaporte vacinal, do uso de máscaras e de todas as medidas de biossegurança. O que nós queremos é trabalhar. Com segurança. Que os nossos estudantes voltem para a universidade também com segurança.
Fica um apelo, inclusive, que se tivermos estudantes que ainda não estejam vacinados, um alerta: vacina salva a vida. Estamos cheios de exemplos de pessoas que pagaram com suas vidas, com longas internações, casos graves. [Negar] é uma posição meramente ideológica, ela não se baseia na ciência. É óbvio que quando começamos [o processo de vacinação] haviam muitas interrogações. Mas entre a Covid e a possibilidade da morte, você ter uma vacina que rapidamente se mostrou absolutamente segura, [não tomar a vacina] é como se brincasse de roleta russa. É brincar com a morte, com uma doença muito grave.
Imaginamos que no próximo ano haja uma convivência mais pacífica entre o vírus e os seres humanos, se tornando uma gripe como outra qualquer, com suas especificidades, mas alerto que se vacinem. Venham para a universidade. Que se volte à convivência para produzir ciência que é nosso destino como profissionais da educação.
Como está funcionando hoje o acesso nas unidades em relação aos protocolos? Elas têm autonomia e orientação por parte da Reitoria, existe um protocolo organizado pela direção central?
Dário Pasche: O documento que nós temos, das Diretrizes aprovadas pelo Comitê, está no site da universidade. O Comitê não tem nenhum braço operacional e todas as medidas dependem da direção central e das direções das unidades. Boa parte das universidades públicas está oferecendo máscaras. Nós temos muitos estudantes que não têm acesso [a máscaras] e sabemos que as de pano, com a variante Ômicron, não são as mais adequadas. Então não teria porquê não oferecer [máscaras adequadas]. Mas o que temos visto, e as unidades e as COSATS [Comissão de Saúde e Ambiente de Trabalho] junto com as administrações dos prédios, têm levado as reivindicações com relação às adequações dos espaços e há um passivo enorme na universidade, de obras que deveriam ter sido feitas. [Faltam] manutenções de aparelhos, sobretudo de ventilação, centenas deles. A universidade teve dificuldade, não apenas nessa direção, de se preparar organicamente para isso.
Sempre há um certo tensionamento, então estamos com certo atraso, com unidades com muitas dificuldades para retorno. [De] obedecer regras básicas como espaço, volume das salas, quantidade de cadeiras possíveis, ventilação cruzada. Temos salas fechadas. Todas as dificuldades. Mas as unidades estão lidando com isso e temos certeza que nenhuma unidade vai colocar no retorno presencial restrito um número de estudantes dentro das salas que não seja compatível com as diretrizes. Há vários materiais para ajudar a determinar esse número de pessoas. Na base da universidade é o que tem acontecido. Mas claro que poderia ter sido [a organização] muito melhor se a universidade, do ponto de vista [da direção] central tivesse tomado as providências e pensado no retorno restrito de uma forma mais comprometida do que se tem visto hoje. Os enunciados revelam isso, proibindo que as unidades adquiram máscaras, quando elas têm rubricas orçamentárias discricionárias que são da autonomia do gestor local. Isso revela uma medida para inviabilizar o retorno completo com segurança. Então continua havendo um desafio.
Esperamos que essas medidas, inclusive as tomadas pela nossa ADUFRGS, elas prosperem para que tenhamos nas próximas semanas, dias, notícias para que possamos reverter esse quadro lamentável de descaso com a vida e falta de prudência com as medidas de biossegurança.
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