Governo subtrai natureza pública da FUNPRESP, alerta PROIFES-Federação

Aprofundando sua política de privatização da previdência, no último dia 26 de maio, o presidente Jair Bolsonaro editou a Medida Provisória (MP) 1.119/2022, que, em termos práticos, retira a natureza pública da Fundação de Previdência Complementar do Servidor Público da União (Funpresp).

A MP tem sido amplamente divulgada pela imprensa como uma medida benéfica para os servidores, já que reabre o prazo de migração para a Fundação até o dia 30 de novembro. Na realidade, contudo, ela traz consigo diversos pontos que merecem atenção.

“De cara, a medida já retira a limitação do teto remuneratório da Administração Pública para os diretores da Fundação, que são remunerados pelos próprios servidores que aderiram ao fundo”, explica o diretor de relações internacionais do PROIFES-Federação, Eduardo Rolim.

Rolin esclarece ainda que a medida extingue a necessidade de licitação pela Lei 8.666 nas contratações, e “isso pode trazer enormes riscos aos participantes e à saúde do fundo de benefícios, com eventuais aplicações arriscadas ou direcionadas por interesses do mercado especulativo”, alertou.

Entenda os efeitos da Medida Provisória para os professores e professoras da Instituições Federais de Ensino na entrevista abaixo:

O que é a migração e quem pode migrar?

A Medida Provisória trata do Regime de Previdência Complementar (RPC) ao qual já estão obrigatoriamente submetidos todos os servidores públicos que ingressaram após 04 de fevereiro de 2013, data da criação da Funpresp-Exe. Ou seja, a opção de migração só se aplica a quem entrou no serviço público federal antes de 2013 e ainda não migrou nas janelas que foram abertas anteriormente.

Os servidores sujeitos ao RPC (aos quais o PROIFES-Federação se refere como 4ª ou 5ª geração) só contribuem até o teto do Regime Geral de Previdência Social (RGPS). Este limite se aplicará à média de suas contribuições e logo aos benefícios de aposentadoria pagos pelo Regime Próprio do Servidores (RPPS).

Aqueles que são das 4ª e 5ª gerações são automaticamente incluídos como participantes da Funpresp e têm 90 dias para decidir se continuam. Como contrapartida, para cada real que contribuírem à Funpresp, 8,5% do que excede o teto do RGPS, o governo aporta outro real.

Por que alguém da 2ª ou 3ª gerações optaria em ingressar no RPC?

É importante citar que, ao migrar, os servidores vão abrir mão das suas regras atuais de previdência, a saber:

Servidor da 2ª geração, que ingressou antes de 2004, deixará de ter a aposentadoria integral e paridade. Caso esse servidor não faça a migração, esses direitos serão mantidos desde que cumpridos os requisitos previstos no Regime Próprio.
Servidor da 3ª geração, que se aposenta pela média, não tem hoje limite do teto de RGPS. Ao migrar, passa a se submeter ao teto, que atualmente é de R$7.087,22.
Logo, ambos passam a contribuir apenas até o teto, reduzindo então o que paga de previdência. Em troca, terão aposentadoria limitada, também, ao valor desse teto. Se a média for maior ou igual a esse valor e se quiserem ganhar mais, terão que contribuir para a Funpresp, com a contrapartida do governo, no que excede o teto.

Mas então, por que trocar a aposentadoria integral ou uma média superior ao teto por uma aposentadoria limitada ao teto, adicionada de previdência complementar?

É uma aposta. Pagar menos de previdência agora, acreditando inclusive que as regras previdenciárias vão mudar até a data de sua aposentadoria, retirando os direitos adquiridos. Mas, em troca, é importante ficar claro que a aposentadoria máxima será o teto, e se o servidor quiser ganhar mais, terá que ter alguma previdência complementar, sendo que optando pela Funpresp ele terá a contrapartida do governo.

Talvez para quem saiba gerenciar sozinho seus recursos possa ser uma opção viável, mas aqueles que apenas querem reduzir as contribuições sem ter uma previsão de guardar dinheiro, certamente a opção poderá representar uma perda de valor importante na aposentadoria.

O que é o Benefício Especial e o que a MP muda nele?

É uma espécie de compensação que o governo paga (através do RPPS) para os que optam por migrar. Funciona como um reembolso dos valores que o servidor pagou de previdência na parte da remuneração acima do teto, desde a data que ingressou até a data de opção.

De 2013 até agora, os que optaram tiveram um Benefício Especal (BE) calculado pela diferença entre sua média salarial (correspondente a 80% do tempo) e o valor do teto, multiplicado por um fator de correção que corresponde à razão do tempo de contribuição e o tempo total necessário para se aposentar.

Aqui se dá uma das mudanças mais sérias trazidas pela MP 1119. O tempo total usado até agora era de 495 meses (13×35 anos) para os homens do Magistério Superior (MS), 390 meses (13×30 anos) para mulheres do MS e homens do Ensino Básico (EB), e 325 (13×25 anos) para mulheres do EB. Com a MP esse tempo total é estabelecido em 520 meses (13×40 anos) para todos.

Isso significa que as mulheres do EB terão, se optarem pelo RPC, uma redução de 37,5% em relação ao que tinham ao optar anteriormente. Para os homens do EB e as mulheres do MS essa redução é de 25%. Já para os homens do MS a redução é de 12,5%.

O governo argumenta que a Medida Provisória adapta a Lei da Funpresp às novas regras da Constituição, o que é uma falácia, por dois motivos: o primeiro é que o tempo mínimo para aposentar agora não é de 40, mas sim de 20 anos. Ou seja, se é para adaptar o tempo, deveria ser 260 e não 520. O segundo motivo é que só estão envolvidos nesta opção pessoas que entraram até 2013, ou seja, pretende-se impor uma regra de forma retroativa, o que é um absurdo.

Na realidade, o que Bolsonaro faz é novamente prejudicar mais as mulheres e as professoras, apenas com o objetivo de reduzir os valores a serem pagos pelo RPPS.

Ainda há uma segunda questão a considerar: a MP estabelece que a apuração da média para o cálculo do BE passa a considerar 100% das contribuições ao invés de 80% das melhores contribuições, o que é uma segunda redução no valor desse cálculo, pois serão consideradas as contribuições do início da carreira, o que diminuirá a média.

Essas mudanças que a MP traz tornam bem menos atrativa a migração, pois os valores de BE são muito reduzidos, e isso o professor terá que levar em conta na hora da opção, pois as duas parcelas de aposentadoria que o servidor receberá do RPPS são no máximo o teto do RGPS e mais o BE. Essa redução terá que ser compensada apenas pela previdência complementar.

A retirada da natureza pública da Funpresp

Essa é talvez a mudança mais grave que a MP 1119 traz. É alterado o Art. 4º da Lei 12.618/2012 que define a Funpresp apenas como uma Fundação de direito privado e não mais como uma Fundação de natureza pública estruturada na forma de direito privado, como era até agora.

Apesar de parecer uma pequena mudança, na prática a alteração representa a efetiva privatização da Funpresp com duas consequências imediatas, que são:

A retirada da obrigação da aplicação de Lei de Licitações do serviço público para as contratações, o que pode trazer prejuízos graves aos participantes e riscos enormes para a sustentabilidade do fundo pelo afrouxamento dos controles, permitindo a contratação de investimentos duvidosos, e submetidos aos interesses do mercado. Isso já ocorreu, por exemplo, no Postalis, fundo dos Correios que perdeu muito com investimentos duvidosos, contratados sem licitação.
Os diretores não terão mais o limite do teto remuneratório dos servidores públicos, o que inclusive já teria motivado um reajuste dos salários da diretoria acima do teto dos servidores. Trata-se de algo injustificável, pois estes são custos que saem dos recursos da fundação. Os diretores devem ter remunerações compatíveis com o mercado, como preveem as Leis Complementares 108 e 109, que regem as entidades de previdência complementar.

Qual a justificativa do governo para a retirada da natureza pública da Fundação?

O governo argumenta que a Medida Provisória (MP) retira a natureza pública da Funpresp porque a Emenda Consitucional (EC) 103 assim determinou. Isso é novamente uma falácia. O § 15 do Art. 40 da Constituição Federal (CF) foi realmente alterado pela EC103, mas é muito importante esclarecer que em 1998, no governo Fernando Henrique Cardoso, a EC20 recomendou a criação do RPC, mas não definiu a natureza das entidades.

Em 2003, no governo Lula, a EC41 definiu explicitamente neste § 15 do Art. 40 da CF que as entidades de previdência complementar dos servidores seriam fechadas e de natureza pública. Já no governo Bolsonaro, a EC103 definiu que as entidades poderiam ser abertas ou fechadas, mas sem nenhuma definição quanto à natureza das fundações.

Ou seja, a EC103 retirou a obrigatoriedade da natureza da Funpresp ser pública. A Emenda não trouxe nenhuma vedação para que a Funpresp continue sendo pública, apenas abriu espaço para que não seja. A Funpresp é uma entidade fechada, logo, mesmo sendo de natureza pública, está perfeitamente de acordo com a Constituição.

Esse é o debate; logo, o que temos à nossa frente é uma posição ideológica do atual governo de privatizar a previdência. E é absolutamente falacioso esse argumento de que a Constituição manda retirar a natureza pública, isso não é verdade.

Qual o posicionamento do PROIFES-Federação com relação à mudança da natureza da Funpresp?

O PROIFES-Federação é totalmente contrário a esta alteração, pois entende que ser uma Fundação de natureza pública é uma garantia importante de controle e sustentação da Funpresp. Defendemos que os controles do serviço público, como a obrigatoriedade de licitação e o teto remuneratório dos servidores, por exemplo, são fundamentais. E reiteramos que não há nenhuma razão para mudar a natureza da referida Fundação.

A Federação luta, portanto, contra a posição do governo que quer quebrar a exclusividade do patrocínio da Funpresp. Acreditamos na importância de que a Fundação permaneça como entidade fechada, que é outra garantia de sua sustentabilidade. Isso porque um fundo de pensão precisa ter escala, e abrir o patrocínio do governo a entidades abertas do mercado só serve aos interesses desse mercado, e pode contribuir para a inviabilização da Funpresp a médio ou longo prazos.

É importante destacar que entidades abertas de Previdência Complementar não são boas para o interesse dos servidores, uma vez que não contam com representação dos participantes, como tem hoje na Funpresp. Ainda pior é o fato de que essas entidades visam ao lucro, e esse lucro só é obtido às custas dos recursos dos que delas fazem parte. A Funpresp, como Fundação de natureza pública, não busca lucratividade e mesmo sendo de direito privado, tem todos os controles do serviço público.

Assim, o PROIFES-Federação se posiciona contra as mudanças trazidas pela MP 1119 na natureza pública da Funpresp, bem como é totalmente contrário às mudanças na forma de cálculo do BE, que prejudica muito especialmente as mulheres e professores do Ensino Básico. Essas mudanças, inclusive, tornam muito menos atrativas as possibilidades de migração nestes termos, ainda que toda e qualquer decisão sobre isso seja de caráter pessoal.

Em resumo, até é positiva a possibilidade deste novo prazo de opção, que se encerra em 30 de novembro de 2022, mas todo o resto deve ser retirado, e é isso que pretendemos levar aos parlamentares.

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