“Contra preconceito não existe vacina, precisamos respeitar as diferenças e fazer valer as ações afirmativas”, disse a professora Kathryn Lum

O podcast da ADUFRGS-Sindical desta sexta-feira, 17, traz uma entrevista com Kathryn Lum, professora estrangeira visitante na Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (FACED/UFRGS).

A professora fala sobre a sua experiência no desenvolvimento de pesquisas sobre ações afirmativas na Índia e em outros países.

Este episódio faz parte da série de conteúdos que aprofundam o debate sobre os 10 anos da Lei de Cotas 12.711/2012 e a importância das ações afirmativas na eliminação das desigualdades e segregações no Brasil. A iniciativa é do GT Direitos Humanos (GTDH) do sindicato, que é coordenado pela professora e diretora de Comunicação, Sônia Mara Ogiba.

Veja alguns trechos da entrevista com a professora Kathryn.

ADUFRGS-Sindical – Conforme sua experiência com as ações afirmativas em outros países, como funciona o sistema de cotas na Índia, especificamente?

Em meu trabalho de campo na Índia pesquisei sobre os estudantes cotistas e percebi que existem muitas semelhanças com o Brasil tanto nas políticas públicas quanto na experiência com os discentes. Diferente do país brasileiro, na Índia as cotas não são chamadas de raciais e sim reservações. Como acontece aqui 50% das vagas nas universidades públicas são reservadas para cotistas. No caso da Índia, são destinadas para três categorias: temos alunos dálites (intocáveis), que são as castas mais marginalizadas e maltratadas pela sociedade indiana, depois temos uma categoria intermediária que se chama OBC (Outras Castas Regressivas) e, finalmente, temos a categoria equivalente aos indígenas como no Brasil.

A política de ações afirmativas começou a partir da independência da Índia, em 1950. Eu estudei, principalmente, as barreiras dessa política pública, pois uma questão é o ingresso dos cotistas e outra questão é a permanência. As cotas indianas não são apenas uma Lei aprovada no Congresso Nacional como no Brasil, pois fazem parte e são amparadas pela Constituição indiana.

No Brasil a Lei de Cotas completa 10 anos e pode passar por um processo de atualização. Essa política pública garantiu o ingresso de estudantes negros/as e indígenas nas universidades públicas. No entanto, a maior dificuldade está na permanência dos estudantes nas universidades, pois necessitam de bolsa alimentação e moradia. Como foi sua experiência com cotas raciais na Índia? Há alguma ação referente à política de permanência dos cotistas nas universidades da Índia?

Este é o ponto mais fraco da Lei de Cotas na Índia. Dentro dos 50% de vagas nas universidades públicas existem as subcotas, conforme o peso demográfico da população, os dálites, os OBCs e os indígenas. O acesso dos cotistas nas universidades brasileiras é muito maior. Na índia, algumas universidades públicas federais cobram matrícula dos cotistas e as vagas não são 100% subsidiadas como como acontece no Brasil. Aqui existe muito mais auxílio aos cotistas, temos a casa do estudante, desconto no transporte público e mesmo assim é insuficiente. Na Índia, a situação é muito pior e muitas famílias precisam fazer empréstimos para bancar a faculdade dos filhos.

Inclusive, existem altas taxas de evasão nas universidades. As famílias que vivem em áreas rurais têm dificuldades de recursos financeiros. Uma vez, uma aluna me disse que as estudantes de castas privilegiadas a convidavam para um café, mas ela não tinha condições de subsidiar esse convite. Isso dificulta a socialização dos discentes.

Na Índia, o abandono dos cotistas não ocorre apenas por questões financeiras, mas por discriminação institucional, social e muito estigma social. Os cotistas sofrem preconceito e discriminação porque ingressaram nas universidades através dessa política pública. Também acontece grande discriminação na avaliação dos cotistas, que recebem notas baixas mesmo com bom desempenho curricular. São mais rígidos no momento de avaliar um aluno dálite.

Depois de formados, os cotistas também enfrentam discriminação no mercado de trabalho. Para fugir desse preconceito, alguns dálites mudam seu sobrenome nas entrevistas de emprego.

Quem tem direito às cotas, como é feita a avaliação? Foi constatado algum tipo de fraude na autodeclaração na Índia?

Na Índia, não é exigida apenas a autodeclaração, tem que comprovar a casta e apresentar um certificado de onde o cotista nasceu para evitar as fraudes. A classificação das castas muda em cada estado. Existem duas listas uma nacional para as universidades centrais e outra para as universidades estaduais. Na categoria OBC, têm pessoas que fraudam o sistema em relação à comprovação da renda.

No Canadá, por exemplo, aconteceu recentemente uma fraude na autodeclaração de docentes que se declararam indígenas, mas não eram.  

Fale um pouco sobre a sua experiência com ações afirmativas em outros países.

Poucos países têm o sistema de cotas como na Índia e no Brasil. No Canadá, por exemplo, depois do escândalo da fraude na autodeclaração, o país começou a implementar políticas de ações afirmativas. Há uma Comissão para comprovar se o cotista tem ou não o direito à política pública. O Canadá exige uma prova do cacique ou do órgão oficial de representatividade para comprovar a etnia indígena.  

Qual sua experiência na FACED/UFRGS?

A FACED está fazendo um esforço para aprimorar e melhorar a política pública para professores/as. Não basta olhar somente o acesso, mas a permanência dos estudantes cotistas nas universidades. Temos que verificar o percentual de vagas reservadas para as cotas e quantas realmente serão ocupadas. Uma coisa é a política e outra coisa é a ocupação efetiva das vagas. A política pública está sendo fortalecida com o tempo. Eu participo de uma Comissão na FACED que tem esse olhar para inclusão social dos mestrandos e mestrandas. Temos cotas na pós-graduação e nas linhas de pesquisa para democratizar o sistema.  

Ouça o podcast aqui, a partir das 15h.