“A educação pública é um direito social, não é uma mercadoria, não é um serviço”, disse a professora Sônia Mara Ogiba durante podcast sobre a CONAPE 2022

Na edição desta sexta-feira, 8, o podcast da ADUFRGS-Sindical traz uma entrevista com a Sônia Mara Ogiba, diretora de Comunicação do sindicato, sobre a Conferência Nacional Popular de Educação 2022, que acontece de 15 a 17 de julho, em Natal, no Rio Grande do Norte.

A professora Sônia representa o PROIFES-Federação na Coordenação Executiva do Fórum Nacional Popular de Educação (FNPE), que organiza a CONAPE 2022.

O tema da Conferência é “Reconstruir o país: a retomada do Estado democrático de direito e a defesa da educação pública e popular, com gestão pública, gratuita, democrática, laica, inclusiva e de qualidade social para todos/as”. A CONAPE é promovida pelo Fórum Nacional Popular de Educação (FNPE) e, neste ano, homenageia o educador pernambucano Paulo Freire, em seu centenário (1921-2021), com o lema “Educação pública e popular se constrói com Democracia e Participação Social: nenhum direito a menos e em defesa do legado de Paulo Freire”.

Em conversa com a ADUFRGS-Sindical, a professora Sônia Ogiba fala sobre a importância da CONAPE 2022 para a retomada do estado democrático de direito e a manutenção da educação pública, gratuita, inclusiva e de qualidade para todos e todas.

Veja alguns trechos da entrevista.

ADUFRGS-Sindical – Em que contexto surgiu a CONAPE?

A Conferência Nacional Popular de Educação tem um marco importante em 2016, quando sofremos um golpe de Estado com a destituição da presidenta Dilma Rousseff. As consequências desse fato se radicalizam na segunda Conferência. Sob o olhar dos movimentos populares e organizações sindicais a atual conjuntura social, política e econômica do País sinaliza que estamos com uma urgência em recuperar a ideia original da educação pública, que é um direito social, não é uma mercadoria, não é um serviço. É um direito social que nossas crianças, adolescentes e adultos têm em sonhar com uma educação inclusiva e com uma sociedade de mobilização social ascendente.  

O atual cenário caracteriza-se como uma crise civilizatória. Consideramos que estamos dentro de uma república dos bárbaros. Nossa democracia está ameaçada através das políticas de Estado de genocídio aberto contra as populações empobrecidas e racializadas. Temos um Brasil autoritário onde o capitalismo se coloca como um sistema descomedido e uma desconstituição ética, moral, cultural e institucional do Estado. Nesse cenário, temos que pensar e defender o impossível para o senso comum, pois implica em mudanças estruturais para reconstituir o Estado, os direitos humanos e as políticas públicas de educação.

A EC 95 do teto dos gastos, que compromete o orçamento da educação pública até 2036, vai seguir nos atingindo se não for revogada. Ainda temos um modelo de desenvolvimento que precisa ser questionado e substituído por outras formas de organização social, de produção e de consumo. Queremos um desenvolvimento que tenha outros valores como por exemplo a colaboração, a solidariedade, a justiça social, a economia solidária, a agroecologia e o cooperativismo. São reformas estruturais de grande monta que nos levarão a um novo projeto de sociedade. Nós, como educadores das universidades públicas federais, da educação básica, temos a convicção e a esperança de que esse impossível será revogado com a nossa luta nessa segunda CONAPE.

O cenário é radicalizado desde 2017, quando criamos o Fórum Nacional Popular de Educação (FNPE) em virtude do golpe contra a presidenta Dilma, ocorrido em 2016. Na época, o Fórum Nacional de Educação (FNE) ligado ao Ministério da Educação desconstituiu e retirou praticamente 30 entidades, entre movimentos sociais e populares, instituições, associações. Após terem sido expulsas por uma portaria do FNE, essas entidades se mobilizaram e constituíram um Fórum Nacional Popular de Educação (FNPE), não vinculado ao MEC e sim aos movimentos populares. Hoje o FNPE é composto por 44 entidades.

A primeira CONAPE ocorreu em 2018 e o cenário era de expulsão das entidades populares, que pensavam as conferências nacionais, as CONAEs, que são um espaço de representação da sociedade civil, onde se constrói o Plano Nacional de Educação (PNE).

Na sua avaliação, o FNPE consegue cumprir seu papel na atual conjuntura brasileira, marcada pelos ataques à democracia, as desigualdades sociais e cortes orçamentários na educação pública?

Como movimento popular, o FNPE conta com a participação dos movimentos sociais de vários segmentos desde pais, estudantes, representações de povos ciganos, entre outros. Como é uma organização popular, os estados do País estão mobilizados para a segunda Conferência de 2022 desde 2021 organizando conferências através de Fóruns.

Aqui no RS, enquanto ADUFRGS-sindical, nós temos a responsabilidade de participar da Coordenação Colegiada do Fórum Estadual Popular de Educação (FEPE/RS). No ano passado, tivemos muitas atividades de mobilização preparando a CONAPE 2022, que é promovida pelo FNPE. Mobilizamos os estados e municípios realizando as etapas municipal (Porto Alegre) e estadual (RS).

Os Fóruns Nacional e Estadual Popular de Educação não recebem nenhum apoio do MEC para realização da CONAPE. As entidades custeiam a infraestrutura do evento e a participação dos delegados/as. Cada estado brasileiro está se mobilizando para levar para Natal/RN suas contribuições para um documento referência, que será analisado e aprovado pelo plenário da CONAPE 2022.

A CONAPE 2022 tem como tema “Reconstruir o país: a retomada do Estado democrático de direito e a defesa da educação pública e popular, com gestão pública, gratuita, democrática, laica, inclusiva e de qualidade social para todos/as”? É possível enfrentar o desafio deste tema durante o debate da Conferência?

Observamos uma radicalização do contexto político, econômico e cultural, a partir de 2015, mas neste país sabemos que é historicamente colocada a questão da desigualdade social e de uma educação que não se universaliza como um direito e um bem público. Nós nos propusemos a lidar com esse impossível que é reconstruir o estado democrático de direito e queremos uma gestão pública que seja gratuita, democrática e laica. Essa tarefa é necessária para a sobrevivência da população e da educação pública.

Temos um capitalismo de exploração, uma arquitetura social com origem no patriarcado e um machismo que nos oprime. Nós mulheres, temos a triste imagem na política e na educação como aquelas que são faladas e não aquelas que podem falar e podem exercer a sua voz e a sua palavra. Temos ainda um racismo assustador que produz uma desigualdade social, atingindo principalmente as mulheres negras. A urgência dessa realidade que estamos vivemos nos faz defender um tema tão vasto e desafiador como esse, que é a reconstrução do País.

A CONAPE também está comprometida com o Plano Nacional de Educação, que é uma política pública que organiza o sistema educacional em todo o país. Trata-se de um plano decenal que reúne as políticas públicas em educação. Este plano, a cada 10 anos, organiza a educação pública desde o ensino básico até a graduação e pós-graduação no Brasil. A CONAPE também está imbuída de propor um novo plano, já que o vigente expira em 2024. A construção desse novo plano, diante do fracasso que estamos enfrentando para implementação do atual PNE, é um desafio. A CONAPE 2022 vai contribuir com esse debate para implementar um novo PNE.

Na minha opinião, é necessário uma democracia participativa e as mulheres estão empenhadas em buscar as condições para retomar uma atuação democrática, que não seja meramente representativa, mas participativa e com a voz das mulheres.  

Como ocorre a participação gaúcha na Conferência?

Aqui no Rio Grande do Sul, nos organizamos em um Fórum Estadual Popular de Educação e constituímos esse Fórum através de uma carta de princípios como por exemplo: a luta pela democracia em seu mais amplo sentido, da garantia do direito à educação como bem público; a luta pela valorização dos profissionais de educação básica ao ensino superior; a defesa incansável das condições materiais e subjetivas para que se tenha um mundo de igualdade contra qualquer forma de exploração, discriminação e opressão.

Fizemos a conferência municipal de Porto Alegre, a conferência estadual do RS e vamos levar para a CONAPE nacional contribuições ao documento final. Entre os eixos da CONAPE, algumas emendas foram sugeridas pelas entidades. Nos organizamos para levar à Conferência uma delegação de 40 pessoas, que representam cerca de 14 entidades.

Professora, a CONAPE 2022 está organizada por eixos, por favor comente um pouco sobre eles?

O debate dos seis eixos reunirá contribuições ao documento final que vai ser aprovado nesta segunda Conferência Nacional Popular de Educação. São eles: Eixo I – Décadas de lutas e conquistas sociais e políticas em xeque: o golpe, a pandemia e os retrocessos na agenda brasileira; Eixo II – PNE, Planos Decenais, SNE, Políticas Setoriais e Direito à Educação; Eixo III – Educação, Direitos Humanos e Diversidade: Justiça Social e Inclusão; Eixo IV – Valorização dos/as profissionais da Educação: formação, carreira, remuneração e condições de trabalho e saúde; Eixo V – Gestão democrática e financiamento da educação: participação, transparência e controle social; Eixo VI – Construção de um projeto de nação soberana e de estado democrático em defesa da democracia, da vida, dos direitos sociais, da educação e do PNE. Esses eixos que se comunicam e abordam políticas sociais e principalmente políticas educacionais. Tudo o que está sendo ameaçado desde o golpe de 2015 nós queremos reverter.

Nossa esperança, desejo e luta é reconstruir a educação pública, a democracia e a defesa da vida, pois temos um Estado que aposta em uma necrocracia, que é justamente uma burocracia da morte. É uma lógica fria do mercado para pensar a educação e a própria vida em sociedade. Vamos para a CONAPE 2022 em Natal com a convicção que os movimentos populares estão fazendo sua parte para reverter essa conjuntura.  

Ouça o podcast aqui.