“O suicídio, embora seja um fenômeno complexo e multifatorial, pode ser prevenido”, alerta Lethicia Quadros, mestranda em Psicologia e Saúde pela UFCSPA.

O Setembro Amarelo reforça a conscientização sobre a importância de valorizar a vida e prevenir o suicídio, que é a quarta causa principal de morte entre jovens de 15 a 29 anos, conforme dados da Organização Mundial da Saúde.

De acordo com o Ministério da Saúde, a taxa de mortalidade por suicídio entre os jovens aumentou em 10% de 2011 a 2017. Este percentual inclui grande contingente de estudantes universitários.

Baseada nesta realidade, a mestranda em Psicologia e Saúde pela Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA), Lethicia Quadros, realiza um projeto para ajudar os estudantes universitários na prevenção ao suicídio.

1 – ADUFRGS-Sindical – O que a motivou a realizar esse projeto de pesquisa? É possível identificar previamente os problemas que levam os estudantes a pensarem no suicídio?

               O desejo de ajudar efetivamente as pessoas que passam por esse sofrimento psíquico através de uma intervenção mais prática e diretiva. A ideia de intervir com os estudantes universitários surgiu a partir da minha vivência na graduação, onde tive contato com muitos colegas em grande sofrimento psíquico e com alguns casos de suicídio, que impactaram não só a mim, como a comunidade inteira.

               A proximidade com essa realidade trouxe muitos questionamentos e muita vontade de fazer algo a respeito para evitar que casos assim se repetissem, pois o suicídio, embora seja um fenômeno complexo e multifatorial, pode ser prevenido. Uma das estratégias de prevenção se dá através da identificação de sinais e de comportamentos que colocam o universitário em risco de suicídio, tais como o abuso de álcool e outras drogas, impulsividade, a ocorrência de sintomas depressivos, aumento ou perda de peso repentina, abandono dos cuidados com a própria aparência, aumento do isolamento social, raiva inexplicável, mau humor e irritabilidade, comportamento autolesivo, rigidez cognitiva, perfeccionismo exacerbado, percepção de sobrecarga e apresentar uma grande desesperança em relação ao futuro.

               Além disso, existem fatores de risco que colaboram e interagem entre si para aumentar o risco de suicídio entre a população universitária, já que essa população é composta em sua maioria por adultos emergentes, que estão em um período em que ocorre uma exploração de identidade com frequentes mudanças nos objetivos de vida, nas relações amorosas, nas aspirações profissionais, e nas visões de mundo. Essa é uma população considerada vulnerável para problemas psicológicos por compreender uma fase da vida repleta de incertezas o que pode gerar sentimentos de ambivalência, negatividade e instabilidade. Além disso, o próprio contexto acadêmico pode vir a ser um fator estressor diante de tantas demandas e da busca por uma performance acadêmica satisfatória.

2 – O treinamento de membros da comunidade universitária a serem gatekeepers também é uma alternativa segundo orientações de especialistas. Do que se trata o treino de gatekeepers e como ajuda nesse processo de prevenção ao suicídio?

               O gatekeeper training, como é chamado, é um sistema de abordagem preventiva para a conscientização, educação e construção de habilidades com o objetivo de aumentar o conhecimento e a competência da população para o reconhecimento e intervenção em crise de pessoas potencialmente suicidas. Dessa forma, consiste em treinar membros da comunidade para identificar sinais de risco e estudantes vulneráveis para, assim, apropriá-los de recursos e práticas de encaminhamento na rede de saúde mental, para que os estudantes com comportamento suicida possam receber o cuidado e o tratamento de que necessitam.

3 – Qual o programa de programa de prevenção de suicídio mais comumente utilizado no contexto universitário? Em que consiste?

               De acordo com pesquisas norte-americanas, o Question, Persuade, Refer (QPR) é o programa de prevenção de suicídio mais comumente utilizado no contexto universitário, seguido pelo Collaborative Assessment and Management of Suicidality (CAMS), sendo este último mais conhecido no país.

               De modo geral, podemos dizer que o QPR consiste em três passos que ensinam os indivíduos a como perguntar se alguém está pensando em suicídio, a como persuadir a pessoa a buscar assistência profissional, e sobre as informações necessárias para encaminhar a pessoa aos recursos locais apropriados.

4 – Quais os objetivos do teu projeto de pesquisa dentro da UFCSPA?

               Para além de avaliar o processo de implementação do QPR gatekeeper training na comunidade interna, para verificar se ele é de fato uma estratégia efetiva para o contexto universitário brasileiro, o nosso objetivo é criar um espaço saudável de discussão a respeito da temática do suicídio e criar uma rede de acolhimento, ajuda e encaminhamento às pessoas com esse tipo de sofrimento. Atualmente o suicídio é considerado um tema tabu, sendo estigmatizado e cercado por mitos sociais, o que acaba dificultando a comunicação das pessoas em sofrimento e o acesso ao tratamento. É preciso falar corretamente sobre suicídio, educar e instrumentalizar a população, isso é o que ajuda a salvar vidas.

5 – Qual o perfil da população universitária que será treinada no projeto de prevenção ao suicídio?

               O perfil compreende desde os estudantes universitários, professores até os servidores técnicos administrativos da UFCSPA. A ideia é treinar o maior número de pessoas possível, principalmente àquelas que tem maior contato com os estudantes, uma vez que existem pesquisas que apontam que embora existam centros de apoio psicológico dentro dessas instituições, os estudantes geralmente não se sentem confortáveis para procurar um profissional de saúde mental quando estão com ideação suicida, mas sim costumam compartilhar seus pensamentos suicidas com seus pares ou com pessoas próximas com quem já conhecem, já tenham um vínculo ou contato. Por isso é importante que as pessoas leigas da comunidade sejam treinadas, porque são elas que tem a maior probabilidade de receber um pedido de ajuda.

6 – Na sua opinião, por que o suicídio é um problema de saúde pública? Que tipo de ações são importantes para ajudar na saúde mental da população?

               Embora as taxas de suicídio no mundo estejam caindo, esse continua sendo um grave problema de saúde mundial, que traz muito sofrimento e impacta de forma significativa a nossa sociedade. Morrem mais pessoas em decorrência do suicídio do que pela Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (AIDS) ocasionada pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV), malária, câncer de mama, guerras e homicídios.

               Em países subdesenvolvidos, com baixo desenvolvimento econômico e altos índices de violência, como o Brasil, o fenômeno acaba sendo mais impactante, o que se verifica pela altas taxas de mortalidade, que continuam a crescer.

               Considerando que o suicídio é um fenômeno complexo que se dá pela interação entre múltiplos fatores, é necessário que intervenções em múltiplos níveis de complexidade e de atenção sejam feitas para a sua prevenção. É fundamental que exista acesso e disponibilidade de serviços especializados em saúde mental para o tratamento das pessoas que sofrem com essas questões, já que essa é a principal forma de prevenção que existe.

É ainda mais fundamental que se atue na prevenção de condições que causam sofrimento humano e que são passíveis de melhora. É preciso promover saúde pública através da garantia dos direitos da população, como segurança, educação, alimentação, emprego, o que se constitui num enorme desafio a nível político e social.

Legenda das fotos: Fachada e sede da Barão do Amazonas iluminadas de amarelo.

Crédito: Emil Santana