O dia que vi o racismo estrutural na sala de aula

Ana Karin Nunes*

 Eu chegava para mais um dia de aula. Com um tom de urgência, pedi aos estudantes que se organizassem na sala para uma atividade avaliativa. Enquanto se acomodavam, uma aluna cochichou para mim “Professora, a senhora percebeu o que aconteceu na sala hoje? Notou alguma coisa errada?”. Eu fiquei alí, como que naqueles antigos jogos dos sete erros, tentando identificar o que havia acontecido. Percebendo meu esforço ela disse: “deste lado da sala estão todos os alunos brancos e daquele outro lado todos os alunos negros”. Foi um soco no meu estômago. O racismo estrutural estava alí, invadiu a sala de aula e eu, finalmente, o vi.

O racismo estrutural é onipresente, ocupa todos os espaços, está sempre à espreita. Mesmo nos espaços da educação superior onde avançamos muito nos últimos anos em termos de políticas de cotas raciais, ele se apresenta, com aquele sorriso cínico de quem diz “vocês ainda fazem pouco para me vencer”.

Evoluímos muito nas universidades federais em termos de acesso a pessoas negras pela Lei Nº12.711 de 2012, a chamada Lei das Cotas. Mas, é urgente avançarmos em políticas sólidas de permanência nos estudantes, que passam também por questões como a ampliação de recursos destinados às bolsas estudantis, à garantia de transporte público, moradia e acompanhamento psicopedagógico.

Além disso, precisamos criar espaços que visem à promoção do diálogo e ao acolhimento. Espaços que sejam ocupados por todos, sem divisões, porque o racismo estrutural não é um problema “dos brancos” ou “dos negros”, é um problema que precisa ser superado pela sociedade, de forma ampla e irrestrita. A comunidade acadêmica precisa falar sobre racismo, compartilhar experiências e vivências e, de forma organizada e sistemática, desenvolver ações de combate a todo e qualquer tipo de discriminação. Racismo é um tema que deveria estar na pauta da discussão de todas as disciplinas, por todos os estudantes e professores.

A universidade é um lugar onde todos, estudantes e trabalhadores da educação, devem se enxergar, se ver e se sentir realmente representados. O lugar, por excelência, da construção e compartilhamento do conhecimento, da produção e da preservação dos saberes de todos os povos. O lugar que precisamos legitimar como antirracista.

Eu não tenho grandes expectativas de que a minha geração vença, em definitivo, o racismo estrutural. Mas, eu tenho esperança de que todas as ações e desacomodações que possamos ajudar a provocar hoje sejam significativas para que este país avance na consolidação de uma sociedade com genuínos ideais de justiça social e equidade. Eu tenho esperança de que não levemos mais de três séculos, período pelo qual perdurou a escravidão no Brasil, para barrar a entrada do racismo estrutural em nossas salas de aula.

* Diretora de Comunicação da ADUFRGS-Sindical, Professora Titular da Faculdade de Biblioteconomia e Comunicação da UFRGS


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