A filiada, jornalista e docente da Faculdade de Biblioteconomia e Comunicação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Sandra de Fátima Batista de Deus foi homenageada pela Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA) com o título Honoris Causa. A solenidade foi no Teatro Moacyr Scliar e contou com a presença da ADUFRGS-Sindical, representada por sua vice-presidente, Ana Boff de Godoy. Também prestigiaram o evento as diretoras Elizabeth de Carvalho Castro (Magistério Superior) e Ana Karin Nunes (Comunicação).
A proponente da homenagem junto ao Conselho Universitário, a pró-reitora Monica de Oliveira, enfatizou a “aprovação unânime do título”, concedido em reconhecimento às contribuições da professora para a extensão, a inclusão e a promoção da justiça no ensino superior, especialmente na luta pela implementação das cotas raciais nas universidades.
Como membro da comissão parecerista do Conselho Universitário da UFCSPA, a diretora Elizabeth integrou a mesa da solenidade, junto à reitora Lucia Pellanda, a vice-reitora Jenifer Saffi, o vice-reitor da UFRGS Pedro Costa e a pró-reitora de Extensão, Cultura e Assuntos Estudantis, Monica de Oliveira.
Emocionada, a docente destacou em seu discurso o cenário da extensão, pelo qual trabalha e vem contribuindo ao longo de sua premiada trajetória. Ela também abordou o racismo, as cotas, e a necessidade de investir em políticas de permanência na universidade.
“É uma honra enorme receber este título, mas é também uma grande responsabilidade, reitora. Minha presença aqui é de uma professora extensionista. Nestes tempos de violência crescente, do racismo que se pronuncia em cada canto, estar aqui neste auditório faz uma diferença enorme diante de uma realidade perversa que ainda impõe à população negra deste país a condição de seres secundários”, afirmou Sandra de Deus.
A docente também recordou a trajetória iniciada no interior do RS, a importância da escola em sua vida e as dificuldades passadas. “Para uma menina de família negra, pobre, do campo, o futuro estava escrito: aprender a ler e continuar a vida como trabalhadora do campo. Mas foi a escola pública que mudou de rumo desta história. Muito cedo, aos 12 anos, saí de casa no interior de São Vicente do Sul e fui viver em Santa Maria. Era para estudar, porém, no pacote estava a fazer o que condeno até hoje, ser trabalhadora infantil. Cada menina ou menino que vejo trabalhando quando deveria estar na escola me causa profunda indignação”, relatou.
O racismo e a necessidade de lutar contra as injustiças também foram tema do discurso da jornalista. “Cada mulher negra que vejo sendo escravizada como sendo da família gera enorme revolta. Tive a oportunidade de estudar em um colégio público no turno, o que possibilitava trabalhar durante o dia. Começa ali um percurso de militância, de crença no coletivo, de indignação permanente diante da injustiça, da defesa da escola e universidade públicas. De parcerias que, mesmo distantes, seguem pela vida, fazendo o caminho ser mais leve. De amores que resistem nas dificuldades cotidianas, nas lutas políticas e nas andanças pelo mundo”, disse a professora.
Ela também contou como a extensão universitária entrou em sua vida. “Passaram-se os anos e veio o vestibular e logo o curso de jornalismo na Universidade Federal Santa Maria, quando me envolvi com a extensão universitária. Isso faz muito tempo. Em nenhum momento da minha trajetória acadêmica me distanciei do que considero uma das funções mais importantes da universidade. Entendo que a extensão universitária se constitui no mais complexo vetor da relação universidade-sociedade e na oxigenação da própria universidade, na democratização do conhecimento acadêmico e na incorporação de saberes e que exige entender como esses processos vão se desenvolvendo. Mas foi no mestrado em extensão rural que encontrei quatro das minhas principais referências teóricas que consolidaram o percurso extensionista”, relatou, citando Paulo Freire, Orlando Fals Borda, Frantz Fanon e Oscar Jara.
Sandra de Deus salientou ainda a necessidade de investir em políticas de permanência. “Hoje é na sala de aula da graduação desenvolvendo atividades de extensão que me encontro com um ser coletivo em permanente mutação. O fazer extensionista me conduz ao diálogo com estudiosos latino-americanos e brasileiros sobre a importância de um olhar cuidadoso e criterioso para temas que considero essenciais na vida e na educação superior. A desigualdade, os direitos humanos, o racismo, as ações afirmativas e nos últimos anos a urgência de uma política pública de permanência dos estudantes nas universidades”, disse, acrescentando que “o não comprometimento com questões sociais graves, sejam elas da arte, da política, da cultura ou da ciência, gera um distanciamento entre a universidade, uma instituição social e com função pública, e a sociedade que acredita na universidade como local de formação e de construção da cidadania”.
Ao final, a Professora Honoris Causa fez votos de um futuro melhor. “Mais do que ontem e menos do que amanhã, precisamos refletir sobre a universidade na atualidade, incluindo a defesa intransigente de sua autonomia para que seja possível falar em compromissos sociais assumidos e a soberania de um povo. Que o verão que se anuncia traga mais luz para a universidade pública, para a educação brasileira”, encerrou, aplaudida, de pé, por todos os presentes.