A ADUFRGS-Sindical realizou, junto ao PROIFES-Federação, na quarta-feira, 27, a “Roda de conversa: Fome não é fake – Direitos Humanos negligenciados no Brasil pós-golpe”, com a participação de Oswaldo Negrão (ADURN-Sindicato), Maria Elizabeth da Silva (APUB-Sindicato) e Sônia Mara Ogiba, diretora de Comunicação e coordenadora do GT Direitos Humanos da ADUFRGS-Sindical.
A atividade foi no Sindicato dos Municipários de Porto Alegre – SIMPA. No mesmo dia, o grupo também realizou a Procissão “Nossa senhora da fome”, no Largo Glênio Peres.
Roda de conversa
O debate sobre a carência alimentar esteve presente na “Roda de conversa: Fome não é fake – Direitos Humanos negligenciados no Brasil pós-golpe”. A atividade, como explicou a professora Sônia Mara Ogiba, passou “pelo tema da violação da Constituição em relação à fome” e também pela pauta das mulheres. “A entrada do País no mapa da fome é algo que nos preocupa. Nos revolta saber dessa grande explosão da fome. E temos também uma explosão em relação à violência contra as mulheres, violências de todas as ordens, inclusive essa da carência alimentar”, relatou. Em sua participação na mesa, a professora Sônia abordou ainda a violência no âmbito da política e dos sindicatos. “A vida sindical é masculina, refletir sobre esse tema da violência política é urgente e precisa ser abordado inclusive nos sindicatos”, acrescentou.
Aberta pela diretora de Direitos Humanos do PROIFES-Federação, Rosangela Gonçalves, a roda iniciou pela fala da professora Maria Elizabeth da Silva, da APUB-Sindicato, que trouxe a necessidade de adaptação dos professores às alterações na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional.
Maria Elizabeth fez uma exposição a respeito das mudanças da Lei 14.164/2021, de 10 de junho de 2021, alterando a Lei 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir conteúdo sobre a prevenção da violência contra a mulher nos currículos da educação básica, e instituir a Semana Escolar de Combate à Violência contra a Mulher.
A lei, explicou a professora, prevê “conteúdos relativos aos direitos humanos e à prevenção de todas as formas de violência contra a criança, o adolescente e a mulher”. “Serão incluídos, como temas transversais, nos currículos de que trata o caput deste artigo, observadas as diretrizes da legislação correspondente e a produção e distribuição de material didático adequado a cada nível de ensino”, relatou.
Ocorre, conforme a professora, que a maioria dos docentes do ensino básico no país são mulheres. “É raro uma que não sofra violência, tendo elas mesmas dificuldade de enfrentar esse tema”, ponderou Maria Elizabeth, que acrescentou a necessidade de equidade de gênero. “Nenhuma mulher quer igualdade: quer equidade. Nós somos diferentes, mas precisamos ser tratadas com equidade”, pontuou.
A seguir, o professor Oswaldo Negrão, da ADURN-Sindicato, abordou o artigo 3º da Constituição Federal, no que diz respeito aos “objetivos fundamentais de construção de uma sociedade livre, justa e solidária, de garantir o desenvolvimento nacional, erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais, assim como promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”.
Conforme Negrão, é preciso trazer para os sindicatos esses elementos da Constituição. “É claro que temos que defender nossas profissões e categorias, mas precisamos relembrar esses elementos, que constituem o estado democrático brasileiro”, afirmou. O sindicalista também citou o artigo 6º da CF, sobre os direitos sociais. “São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados”, narrou o professor.
O docente lembrou que a Emenda Constitucional 95 foi grande responsável pelo corte de recursos sociais, destacando o período da pandemia, agravando as diferenças econômicas. “Ao mesmo tempo em que a fome aumentou, há quem entre na fila para comprar jatinhos”, citando as discrepâncias sociais típicas do sistema atual de governo. “Por isso trouxemos os ossos [para ato realizado à tarde, no mesmo dia, veja mais abaixo], porque virou um símbolo. O país é um grande produtor de carne e não consegue garantir o básico. Arroz, feijão, café, está tudo muito caro”, exemplificou. Negrão acrescentou que atualmente 55% da população está em situação de insegurança alimentar. “São mais de 100 milhões de pessoas. E a mulher é muito mais atingida, elas representam de 70 a 80% do funcionalismo público, ganhando menos de oito salários mínimos e sendo as primeiras a serem demitidas em situações de crise na iniciativa privada”, finalizou.
Em sua fala pela ADUFRGS-Sindical, a professora Sônia Mara Ogiba destacou o GT de Direitos Humanos do Sindicato, o qual coordena, e o apoio da entidade a projetos sociais, como a Casa de Referência Mulheres Mirabal, em Porto Alegre, que atende mulheres vítimas de violência. “São mulheres que praticamente vivem sem salário e nem mesmo um salário mínimo, que dependiam de seus parceiros, e estes, com a pandemia, ficaram desempregados. Elas tiveram que sair em busca de alimento, passando por uma situação de carência alimentar muito grande”, relatou. “Isso nos chocou muito. Passamos a atuar com o Programa de Extensão da Universidade Federal do Rio Grande do Sul ‘Clínica Feminista na Perspectiva da Interseccionalidade’, em parceria com a Themis – Gênero, Justiça e Direitos Humanos, a Casa de Referência Mulheres Mirabal e o Coletivo Feminista Olga Benário. Estamos auxiliando essas mulheres que estão sendo acolhidas pelo Programa, doando quinzenalmente a elas cestas básicas, através da CUT RS”, completou, chamando atenção para o sofrimento dessas mulheres e para a explosão dos problemas de saúde mental durante a pandemia.
A sindicalista recordou que a presença dos sindicatos e da federação no Fórum Social das Resistências está ligada à noção de que há temas amplos que devem ser abordados pelas entidades. “Há mais de vinte anos foi realizado o primeiro Fórum Social Mundial, e de fato as questões discutidas pelo Fórum já eram globais, mas agora essa preocupação é muito maior, e a saúde mental, a fome e a violência estão entre elas. Então esse é um espaço de atuação, de ação, de reflexão e de estudo para nós sindicalistas, mulheres e sindicalistas de modo geral, para acompanhar essas questões globais, sociais, políticas”, disse Sônia. “Como sindicato, nos preocupamos em pensar que outra agenda econômica é importante para esse país, como se reconstrói esse país”, complementou, mencionando o quanto é necessário acompanhar a implantação de políticas públicas, entre elas as relacionadas à educação e direitos humanos “e lutar para que elas sejam políticas de Estado, não de governo”.
Especificamente sobre a questão das mulheres, a professora Sônia destacou a necessidade de falar sobre violência política e a mulher no meio político e sindical, e citou uma frase da professora, teórica e ativista feminista e antirracista bell hooks. “Ela diz algo que aprendi, e me emociono quando falo isso, pois levei muitos anos para conseguir exercer, é que ‘nós temos, como mulheres, que erguer a voz’. E eu aprendi isso depois que entrei para uma vida mais militante e com a entrada para o sindicato. Hoje me reconheço não somente na luta feminista, que há alguns venho pesquisando e estudando, mas na luta sindical. bell hooks diz que erguer a voz ‘é uma forma das mulheres se afirmarem’, e sabemos como a vida sindical é masculina, então essa é uma reflexão importante, a da violência política, inclusive nos sindicatos”, disse a sindicalista.
Sônia Ogiba, que também é psicanalista, comentou a frase da ativista por esse viés da psicologia e psicanálise. “bell hooks diz que erguer a voz é uma forma das mulheres se afirmarem, defendendo que diante da luta contra a opressão e os papéis de gênero é necessário que as feministas se dirijam sem medo aos que dominam e oprimem, sejam eles homens – nossos colegas, dentro do sindicato, da política, da nossa casa, das nossas relações – sejam inclusive as mulheres, que precisam se exercer dentro de um horizonte feminino e não tanto masculinizado. São mulheres, no entanto, não se posicionam subjetivamente em uma posição feminina, e sim extremamente fálica, a mesma que os homens carregam culturalmente”, disse, lembrando que “não basta ser mulher, a gente tem que se reconhecer fazendo parte das lutas feministas”.
A roda seguiu com as manifestações e relatos de participantes de sindicatos de diferentes estados e regiões do país.
Performance
No período da tarde o PROIFES-Federação realizou uma performance dentro do Fórum, a Procissão “Nossa senhora da fome”, que percorreu o Largo Glênio Peres, chamando a atenção do público para as mazelas que assolam o Brasil.
Marcha
Ainda na terça-feira, 26, a ADUFRGS-Sindical e o PROIFES-Federação participaram da Marcha de Abertura do Fórum Social das Resistências, que reuniu centrais sindicais, movimentos sociais, partidos de esquerda e diversas entidades. A marcha teve início no Largo Glênio Peres e seguiu pela avenida Borges de Medeiros, encerrando na Ponte de Pedra.
Fórum segue até sábado
As discussões do Fórum Social das Resistências seguem até sábado, 30, quando acontece a plenária de encerramento que vai aprovar um documento a ser levado ao Fórum Social Mundial, a ser realizado na Cidade do México de 1º a 6 de maio. No domingo ainda está prevista a participação dos integrantes do evento no ato unificado e cultural de 1º de Maio, Dia Internacional do Trabalhador e da Trabalhadora, junto ao Espelho d’Água, no Parque da Redenção.