NOVEMBRO NEGRO NA ADUFRGS-SINDICAL: Secretária de Combate ao Racismo da CUT-RS, Isis Garcia, defende políticas afirmativas para igualdade de oportunidades

“Minha mãe, dona Maria Menaides Rodrigues Garcia, sempre nos dizia que ela não tinha condições de nos proporcionar educação de qualidade até o nível superior, mas afirmava que poderia nos oferecer o conhecimento necessário para superarmos as dificuldades e buscarmos nossos objetivos, superando o racismo. Sou uma pessoa privilegiada, pois nem todas as famílias negras conseguem transmitir essa orientação ao seu núcleo.” Esse foi o legado que Isis Garcia, secretária de Combate ao Racismo da CUT-RS, herdou de sua matriarca, conforme menciona em entrevista à ADUFRGS-Sindical, durante a programação especial do Novembro Negro. A bancária é dirigente sindical da Federação dos Trabalhadores e Trabalhadoras em Instituições Financeiras (FETRAFI-RS).

Isis comenta que a educação começa dentro de casa e segue nas escolas até as universidades. “As cotas raciais nos permitiram o acesso ao nível superior. Trata-se de um ato de justiça e de reparação histórica à população negra. As políticas afirmativas são fundamentais frente à desigualdade de oportunidades no Brasil. O colorismo é um dos principais responsáveis pelo racismo estrutural na medida em que divide as pessoas. Você não é melhor, nem pior do que ninguém pelo tom de sua pele, seja mais clara ou mais escura. Em um país que mais da metade da população é negra, ainda vemos que muitas pessoas têm dificuldade em assumir sua miscigenação. Precisamos desconstruir o mito da democracia racial no País. Somos diferentes, mas lutamos por direitos iguais. Queremos mais oportunidades.”

Veja a conversa com a sindicalista e secretária da CUT-RS.

ADUFRGS-Sindical – Na sua opinião, quais as causas do racismo estrutural no Brasil?

Na condição de mulher preta como me reconheço, considero que o colorismo nos dividiu e privilegiou alguns pelo fato de terem a cor da pele mais clara. Vivemos em uma sociedade machista e racista e nós, mulheres pretas, acabamos ficando para trás, depois do homem negro pelo fato de sermos regidos por um sistema patriarcal e atrás das mulheres não negras. É desta forma que a sociedade da branquitude nos enxerga.

De que forma você percebeu que era preciso combater o racismo enquanto sindicalista?

Enquanto sindicalista, com o tempo analisei que nas relações de trabalho a população preta era o espelho dessa sociedade desorganizada em termos de justiça social. A partir daí, vi a necessidade de trabalhar contra o racismo estrutural com o viés de uma política antirracista. Contra o racismo nós devemos ser antirracistas como afirmou a ativista, filósofa e professora americana Angela Davis. Devemos compreender que o racismo, além de desestruturar as relações, ele se atualiza.

Como o racismo estrutural interfere nas relações de trabalho?

Por muito tempo, a sociedade considerava o racismo como um problema apenas dos pretos e pretas, mas o racismo é uma questão social que precisa ser dialogada e vista de uma forma abominável por todas as populações. Então, começamos a discutir porque em determinados setores existe o apagamento de pessoas pretas. Aí fomos entender que naquele modelo de trabalho a partir da revolução industrial e de outras épocas sempre nos viram como não necessários para aquele processo, pois tínhamos o estigma da escravização. O nosso lugar não era de participação nos espaços com retorno de benefício. Sempre nos relacionaram à pobreza e à miséria e não construíram uma forma para que nosso valor histórico e nossa contribuição na construção social do Brasil fosse vista de uma maneira realmente inclusiva. O Estatuto da Igualdade Racial foi uma vitória e nos colocou em outro patamar com a política de ações afirmativas.

Por que a política de cotas foi necessária?

Quando falamos em políticas de cotas nos referimos às políticas de ações afirmativas para nossa população. Trata-se de uma possibilidade reparatória dessa desigualdade que foi construída através da escravização do nosso povo para que pudéssemos compartilhar os espaços de uma forma legalizada e reconhecida. As cotas nas universidades são um ato de justiça social.

Na sua opinião, por que a população negra ainda está fora do mercado de trabalho?

O processo de organização do trabalho no Brasil ainda é excludente. Nós pretos e pretas, somos mais de 54% da população e não estamos nos locais de trabalho. Isso acontece porque existe uma série de impeditivos institucionalizados que nos exclui do mercado. A política antirracista tem que contar com a força de todas as populações. As pessoas precisam entender que pelo fato de não viverem a minha realidade enquanto mulher preta, não estão isentas de ver o erro cometido até hoje.

Qual a importância da educação no combate ao racismo?

Sabemos que esse país imenso e maravilhoso precisa de educação em todos os sentidos, desde o ambiente familiar. É fundamental que as famílias não negras orientem seus filhos, que são privilegiados por terem a pele branca, não segregarem as crianças pretas pela cor de sua pele ou condição social. Pequenas trocas de conversas e ensinamentos são estruturantes para educar contra o racismo.

Além disso, os professores precisam ter a consciência que existem realidades diferentes. Uma criança preta, muitas vezes, não possui a mesma estrutura familiar que as demais e se sente excluída na escola. Algumas abandonam os estudos. Quando a criança preta tem a oportunidade de estudar em uma escola particular, ela vai enfrentar a realidade de ser a única, assim, ao invés de ser acolhida vai ser excluída do meio por causa do racismo. Isso também é um problema social que se reflete nas relações de trabalho.

Qual a problematização nas relações de trabalho?

Temos dois problemas estruturais nas relações de trabalho. A divisão sexual do trabalho, que é a divisão entre homens e mulheres, e a divisão racial do trabalho. Vejo que a população preta não está em todos os espaços. Quando consegue esse espaço não está num lugar de crescimento profissional. O recorte racial tem que estar presente em todos os acordos coletivos para que sejam banidos os critérios que naturalizam essa exclusão. O próprio setor de recursos humanos das empresas contrata trabalhadores através de um perfil que já segrega.

Vivemos hoje um modelo de atualização do racismo que está se perpetuando nas relações de trabalho escravizando a todos, não apenas a população preta. A reforma administrativa, que precariza as condições de trabalho, precisa ser derrotada.

Como mudar essa realidade racista?

Hoje nós temos pessoas pretas preparadas para estar em qualquer lugar, porém tem que haver mecanismos para encaixá-las no mundo do trabalho com direitos. O posto de trabalho organizado ainda não é visto como natural para a população negra. Esse é o grande desafio que a política antirracista precisa modificar. Iguais nós não somos, precisamos ter a mesma equidade, o mesmo direito de ser e estar com acesso aos direitos sociais sem discriminação racial.

Estamos no caminho certo, nossos passos vêm de longe. Podemos viver de uma forma digna em espaços igualitários. Nós mulheres pretas nunca construiremos nada sozinhas. Precisamos fugir da síndrome do negro único, queremos mais pessoas iguais a nós. Nós não queremos falar somente do racismo, que entendemos muito bem, queremos falar de todos os assuntos aos quais fazemos parte, economia, reforma tributária, administrativa, saúde, entre outros. Na Marcha das Mulheres negras construímos um mote “Uma sobe e puxa a outra”. . Queremos o direito ao bem viver!

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