Planejamento é para retomar no primeiro momento as aulas práticas e em laboratórios
Por Luciano Velleda lucianovelleda@sul21.com.br
O dia 17 de janeiro de 2022 deve marcar o retorno das aulas presenciais na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Oficialmente, a universidade ainda não confirma a data e informa apenas que, na próxima segunda-feira (25), o Comitê Covid da instituição deve emitir suas diretrizes e, a partir daí, a Reitoria emitirá nova portaria sobre a suspensão das atividades. A tendência, no entanto, é que a volta às aulas presenciais seja em breve confirmada para o início do primeiro semestre do ano que vem.
Ao menos essa é a expectativa da Associação de Docentes da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (ADUFRGS) que, em audiência realizada no final de setembro, aprovou por unanimidade o retorno às aulas presenciais em janeiro. A proposta é inicialmente voltar com as disciplinas que exijam atividades práticas em laboratórios e pesquisa de campo, mantendo o ensino remoto para aulas teóricas.
Segundo o presidente da ADUFRGS, Lúcio Vieira, há preocupação com o papel social da universidade, considerando mais de um ano e meio de pandemia com impacto na vida acadêmica. A imunização com duas doses de professores, funcionários e alunos, e os bons resultados do avanço da vacinação já visíveis nos dados da crise sanitária, formam o cenário favorável para o retorno às aulas presenciais.
“Não há justificativa mais para não voltar. Obviamente, com todos os cuidados, de forma paulatina”, afirma Vieira, destacando que a direção da UFRGS deverá garantir as devidas condições de higienização dos locais, uso de máscara, disponibilização de álcool em gel, entre outras medidas de proteção. “O desejo é retornar com segurança nessas condições.”
O número de alunos que devem voltar no primeiro momento ainda é incerto. Vieira acredita que deve abranger estudantes das áreas de química, biologia, arquitetura, entre outros cursos com atividades práticas. Alunos dos cursos de saúde, por exemplo, já estão tendo algumas aulas presenciais.
Se a perspectiva de melhora no controle da pandemia se mantiver nos próximos meses, o presidente da ADUFRGS pondera que o número de alunos que irão retornar em janeiro pode talvez até aumentar. Tal hipótese, entretanto, não deve ser avaliada neste primeiro momento.
Membro do Comitê Covid e da Associação de Pós-Graduandos (APG/UFRGS), Bruno Veber explica que as diretrizes gerais da volta às aulas presenciais estão em fase final de aprovação. Na próxima etapa, cada faculdade da universidade vai elaborar seu próprio plano de retorno.
Doutorando em Genética e Biologia Molecular, Veber afirma que o prejuízo acadêmico causado pela pandemia é irreparável. Ainda assim, destaca o esforço feito durante todo o longo período da pandemia. “A gente tentou contemplar de algum modo pra não deixar a universidade parada. Também é importante lembrar que a área de pesquisa continuou ativa durante toda a pandemia”, avalia.
Veber destaca que os estudantes precisam ser mais ouvidos no planejamento do retorno às aulas presenciais. Cita, por exemplo, a situação dos restaurantes universitários, importantes para alunos de baixa renda. Segundo ele, as diferentes unidades da UFRGS não têm autonomia para decidir sobre a reabertura dos restaurantes. “O debate da permanência estudantil ainda não está havendo pela direção da universidade. Os estudantes precisam ser mais incluídos no debate.”
Coordenadora-geral do DCE, Ana Paula de Souza dos Santos tem opinião semelhante e crítica a falta de participação dos alunos nas discussões com a Reitoria sobre o retorno às aulas presenciais.
Do ponto de vista dos estudantes, as questões a serem debatidas são muitas: o tradicional horário reduzido do restaurante universitário que, se for mantido, causará aglomeração; problemas de estrutura em salas de aulas pequenas e com pouca ventilação; a implementação do passaporte vacinal em razão de diferenças no ritmo da vacinação entre a Capital e cidades do interior. Ela também destaca a importância da confirmação com antecedência da data de retorno, para que alunos de outras cidades possam planejar a moradia em Porto Alegre.
Ana Paula enfatiza que o ensino remoto tem sido extremamente prejudicial aos estudantes da UFRGS, com uma série de problemas técnicos e de organização ainda não resolvidos. Por isso, se o retorno presencial abranger inicialmente somente as disciplinas práticas, o modelo de aula on-line precisa ser aperfeiçoado. “A gente não tem mais como tolerar o ensino remoto, porque representa um retrocesso gigantesco”, avalia.
A coordenadora-geral do DCE também pondera ser comum o aluno fazer disciplinas em unidades distintas. E se cada unidade terá autonomia para planejar seu próprio retorno presencial, isso poderá significar uma confusão para o estudante, que ficará sujeito a regras distintas. “Vai ser uma confusão. Uma hora presencial, outra remoto, outra híbrido…”
A situação pode ser ainda mais difícil para o aluno que não mora em Porto Alegre e, neste caso, precisará voltar a viver na cidade para frequentar somente algumas aulas práticas ou viajar constantemente para essas disciplinas.
Fundamentais para o funcionamento da universidade, os servidores técnicos completam a comunidade escolar junto com alunos e professores. Coordenadora-geral do Sindicato dos Técnico-Administrativos da UFRGS, UFCSPA e IFRS (ASSUFRGS), Tamyres Filgueira diz que os profissionais compreendem a importância do retorno presencial, porém não querem que seja feito “de qualquer jeito”. A boa ventilação nas salas de aula e laboratórios é uma das principais preocupações.
Tamyres diz que o sindicato tem conversado com os técnicos para debater as condições do retorno às aulas presenciais, considerando que há equipes no litoral e no interior, além da Capital. No começo de novembro deve ser finalizado um documento com as linhas gerais propostas, considerando as especificidades de cada setor, e que será enviado à Reitoria e ao Fórum de Diretores.
Sobre a Reitoria, inclusive, há críticas de que o debate está atrasado e não ocorre como deveria. A possibilidade de cada unidade da UFRGS planejar o próprio retorno, tal qual para os estudantes, também é vista como problemática. “A gente sabe que é importante voltar. A gente fica muito tempo na universidade e é importante saber se vão haver boas condições”, explica Tamyres, lembrando que os servidores sempre seguiram atuando de casa durante a pandemia.
O inédito cenário da pandemia do novo coronavírus exigiu das universidades brasileiras a necessidade de adaptação à uma realidade jamais imaginada. Mesmo diante dos riscos, as instituições se colocaram na linha de frente do enfrentamento das mais variáveis formas, seja realizando testes de covid-19, produzindo álcool em gel ou pesquisando acerca do vírus e da doença.
Esse engajamento, fundamental no enfrentamento da pandemia, como destaca o presidente da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), Marcus David, ocorreu no Rio Grande do Sul e Brasil afora.
Depois de se adaptar ao ensino remoto e mudar toda uma cultura acadêmica, o novo desafio que se apresenta é o retorno às aulas presenciais. David diz que as universidades estão fazendo isso com cuidado e zelo, pois o processo não é simples. Depois de mais de um ano e meio sem aulas presenciais, o sentimento é de urgência.
“Precisamos reconhecer que tivemos perdas acadêmicas e pedagógicas sem as aulas presenciais”, afirma. O presidente da Andifes pondera que o Brasil é um país grande e diverso, com realidades regionais distintas, e que isso deve ser considerado no momento de retorno. Nesse sentido, concorda que a prioridade seja para disciplinas que exijam aulas práticas.
“A universidade não tem condições de voltar de uma hora pra outra”, afirma David, também reitor da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF).
E para esse retorno, o presidente da Andifes destaca a situação dramática do orçamento das universidades federais, que sofrem sucessivos cortes nos últimos anos. Em 2019, o orçamento do governo federal foi de R$ 6,1 bilhões, valor reduzido para R$ 5,5 bilhões em 2020 e novamente reduzido em 2021 para R$ 4,5 bilhões.
“Como sobrevivemos a isso?”, pergunta David. E ele mesmo explica: o ensino remoto durante quase dois anos permitiu a economia de água, luz e diversos serviços que agregam custos às instituições, como a limpeza. Porém, agora com a perspectiva de iniciar o retorno às aulas presenciais, os contratos serão retomados e esses gastos não serão mais economizados. Pelo contrário: haverá acréscimo de materiais de proteção, como máscaras, e produtos de higiene.
“Nossa equação é difícil de fechar”, reconhece o presidente da Andifes.
No momento, a luta tem sido junto ao Congresso na negociação do orçamento de 2022. David diz que articulações estão sendo feitas com o Ministério da Educação (MEC) e os deputados da Comissão Mista de Orçamento. Se não houver sucesso, ele afirma que o próximo ano nas universidades federais será caótico. “A educação tem que ser prioridade para recuperar as perdas. Se fala que a educação é importante e não se vê isso no orçamento.”
O presidente da Andifes vai além e defende que o Teto de Gastos seja revisto. Para ele, o mecanismos criado pelo governo de Michel Temer (MDB) é uma “armadilha”. “Nós criamos essa armadilha e estamos presos nela, para caber dentro desse número, o governo não está fazendo o que deveria”, critica, citando os recentes cortes para a ciência, o cancelamento do censo do IBGE e a queda no financiamento da agricultura familiar. A área da saúde, por outro lado, só pode dar condições mínimas ao SUS para enfrentar a pandemia porque se retirou o seu orçamento do Teto de Gastos.
“Temos que sair dessa cilada. O Estado brasileiro não cabe nesse Teto de Gastos. Precisamos assumir isso”, afirma David, que é economista. Para ele, num país como o Brasil, com altos índices de pobreza, o gasto social necessariamente precisa ser maior. “Ou vamos deixar as pessoas na fila do osso?”, pergunta.