No primeiro episódio de podcast de 2022 do Canal Spotify da ADUFRGS-Sindical, o presidente do sindicato, Lúcio Vieira, faz uma retrospectiva do ano de 2021 com uma análise econômica e política do País com recorte para a área da educação.
O professor reflete sobre a situação das universidades públicas e dos institutos federais diante dos cortes orçamentários e reforça a importância da produção cientifica e do conhecimento para o enfrentamento à pandemia de Covid-19.
Durante entrevista à ADUFRGS-Sindical, ele defendeu o passaporte vacinal e todas as medidas de segurança sanitária para o retorno seguro das aulas presenciais nas universidades. Segundo o presidente, a luta por uma universidade pública, gratuita, laica, inclusiva e de qualidade, com democracia e autonomia universitária será uma constante em 2022. “Nós temos que trazer o Brasil para a civilização novamente, ou seja, um país que tenha a educação como uma questão central, a saúde, o respeito às opiniões diferentes, o respeito à vida”, refletiu.
Veja a conversa com o presidente Lúcio Vieira:
ADUFRGS-Sindical – Fazendo uma retrospectiva, qual sua avaliação sobre os desafios da educação pública no ano de 2021?
O grande desafio de 2021 foi permanecermos vivos e com saúde. Vivemos uma situação grave no País, mais de 620 brasileiros morreram por Covid-19 por ausência de uma política pública capaz de dar conta de forma responsável dessa pandemia, que também gerou uma crise econômica com aumento do número de desemprego no Brasil. A pandemia também refletiu na educação com a ausência de aulas presenciais nas universidades e institutos federais e escolas de todo o país.
Nessa conjuntura, o Sistema Único de Saúde se mostrou muito eficiente com um potencial gigantesco desafiado a atender a população mesmo sem políticas públicas e com ministros da saúde negacionistas. Podemos dizer que o Brasil foi um dos países que teve maior cobertura vacinal. Tudo isso porque tivemos uma população, governadores e prefeitos que se mobilizaram para que o país não amargasse em uma situação ainda pior.
Na área de educação, diante de todas as dificuldades, os professores e professoras das escolas e universidades públicas, institutos federais conseguiram se desdobrar para oferecer o mínimo de acesso das pessoas à educação. Se nós tivéssemos um governo, um ministro da educação, um ministro da saúde comprometidos com os direitos sociais à população essa situação seria diferente. Estamos construindo um projeto de nação que tem o objetivo de retomar a civilidade e garantir a democracia desse país.
Quais foram os desafios da educação na pandemia?
Tivemos o desafio de enfrentamento de duas visões sobre educação, ciência e conhecimento. Uma delas foi patrocinada pelo governo de caráter teocrático fortemente influenciado pela sua visão de religião, medieval, uma negação da história e da ciência. Por outro lado, as instituições de ensino com diferentes características e papéis sociais, pesquisadores voltados para a ciência em busca da solução de problemas. Esse confronto foi desigual porque o governo detém os recursos financeiros para patrocinar esse desenvolvimento. Mesmo assim o pensamento humanitário foi capaz de dar uma resposta. O Brasil foi um dos primeiros países do mundo a trabalhar no sequenciamento genético, na busca de novas vacinas, na implementação de um sistema vacinal robusto. A ciência é que dá a resposta adequada. Por isso que hoje o Brasil supera mais de 70% de sua população vacinada com a primeira dose.
Quais os impactos dos cortes orçamentários feitos pelo Governo Federal nas universidades e institutos federais de ensino superior?
Os cortes orçamentários em 2021 foram muito significativos. Para esse governo a educação não é central e pode ser explorada como um negócio pelo setor privado para visar o lucro. Nesse sentido, a destinação de recursos públicos para a educação pública sofreu cortes. Isso também é consequência da Emenda Constitucional 95 que limita os recursos públicos para o setor público. Fizemos uma pressão para conseguirmos recuperar essa perda e conseguimos parcialmente.
Temos que recuperar 2020 e 2021 que tivemos grande defasagem de aprendizagem. Se pegarmos a Lei Orçamentária Anual para 2022 os recursos destinados a investimentos em educação são irrisórios.
Por que é importante derrotar a Reforma Administrativa, PEC 32?
A PEC 32/2020 da Reforma Administrativa é mais um plano em transformar o estado brasileiro pequeno, pouco presente e absolutamente a serviço de interesses privados. É privatizar as estruturas do estado. A reforma propõe a redução do serviço público. O estado passa a ser um agente que vai complementar as atividades que tem pouco interesse privado. Cria mecanismos de intervenção do governo sobre a máquina estatal. Com essa reforma, os servidores deixariam de ingressar no serviço público por concurso para serem indicados pelos interesses políticos partidários do governo vigente.
A ADUFRGS-Sindical e o PROIFES-Federação fizeram uma pressão intensa em Brasília para que os deputados votassem contra a PEC 32/2020. Também conversamos com os parlamentares em seus respectivos estados sobre os impactos negativos da reforma administrativa que desmonta os serviços públicos e destrói a carreira dos servidores. O trabalho de educação política foi extremamente importante nesse processo de convencimento de que a proposta não deveria ser aprovada. Terminamos 2021 sem a aprovação da PEC 32 e isso foi uma vitória.
A luta em defesa da universidade pública é uma constante para 2022?
Sim. A universalização do acesso à educação como direito social é nosso dever. O Brasil tem grande potencial para produção da ciência e do conhecimento, por isso é fundamental a defesa da universidade pública com toda infraestrutura e recursos necessários.
Priorizamos a defesa da vida. Acompanhamos o retorno das aulas presenciais em toda nossa base, UFRGS, UFCSPA, IFSUL e IFRS para garantir as condições sanitárias necessárias para a segurança da comunidade universitária. Defendemos que sejam disponibilizados os recursos mínimos como uso máscaras e álcool gel, higienização e ventilação de espaços físicos, distanciamento social e, principalmente, que seja exigido o passaporte vacinal.
Além dos cortes orçamentários, as universidades públicas enfrentam a falta de democracia e autonomia universitária. Os reitores que não foram eleitos pela comunidade universitária não respeitam as decisões do Conselho Universitário da UFRGS. De que forma o sindicato pode interferir nessa situação?
A maioria das universidades brasileiras continua respeitando a democracia. Recentemente, a Andifes conseguiu impedir a imposição do governo às universidades para que não exigissem a carteira de vacinação. A cobertura vacinal é importante. No caso da UFRGS, há uma discussão no Supremo Tribunal Federal sobre a legalidade da nomeação do terceiro da lista, que nós defendemos que não é legal essa nomeação. Deveria ter sido nomeado o eleito pela comunidade em primeiro lugar. Mas infelizmente o governo federal despreza a democracia dentro das universidades ao colocar alguém que possui identidade política ideológica e não uma pessoa comprometida com a comunidade acadêmica.
O Conselho Universitário da UFRGS tem estranhamento com as políticas propostas pelo reitor. Quando o Consun e a reitoria não conseguem dialogar, nós temos um problema sério de gestão democrática. Existe, inclusive, uma falta de habilidade para comandar o retorno presencial com segurança sanitária. O Comitê Covid-19 da UFRGS recomenda uma série de medidas, entre elas o passaporte vacinal, e a reitoria obedece aos interesses governo federal afirmando que não é obrigatório.
Precisamos urgentemente retomar a discussão sobre o fim da lista tríplice.
Como o sr. vê esse longo período sem reposição salarial para os professores de ensino superior em detrimento de outras categorias privilegiadas pelo governo federal?
Para pensarmos em qualidade de educação precisamos de um corpo docente e de uma infraestrutura qualificada, bons equipamentos, bons espaços físicos, boas bibliotecas, bons laboratórios. Bons profissionais são atraídos ao serviço público quando existem carreiras atraentes, bem formadas, consolidadas e respeitadas que incentivem a formação permanente e salários que viabilizem a formação dos professores das universidades e institutos federais.
Estamos há 5 anos sem reajuste salarial. Hoje, o básico da nossa carreira é menor que o básico nacional de um professor de 40 horas graduado. Há uma defasagem que ultrapassa 40%. É necessário que se criem mecanismos de diálogo com o governo para começar a recuperar essa perda salarial. O prejuízo é muito grande.
Ao privilegiar alguns setores, o governo federal mostra bem o seu perfil, que aposta na violência e privilegia os setores de segurança em detrimento à educação, saúde, ciência e tecnologia, que inclusive, sofreram gigantescos cortes orçamentários. Estamos nas mãos de um governo que não prioriza os interesses sociais e se identifica com interesses particulares.
Quais as perspectivas da ADUFRGS-Sindical para 2022, um ano de eleições?
A esperança de um ano melhor tem que se concretizar em ações práticas. Nós temos que trazer o Brasil para a civilização novamente, ou seja, um país que tenha a educação como uma questão central, a saúde, o respeito às opiniões diferentes, o respeito à vida. Retomar isso vai exigir um esforço de todos os democratas desse país. Não se trata de escolher esse ou aquele, mas escolher a democracia e a vida, que inclui salários dignos, emprego, saúde, educação e todas as condições de sobrevivência com qualidade. Para garantir isso é necessário que as forças políticas se unam e tenham um compromisso democrático. É preciso dar um basta ao negacionismo, à violência, o obscurantismo, à negação a ciência, a esse desprezo à vida e à população. Temos que recuperar o Brasil para os brasileiros.
Temos pela frente uma luta importante por reposição salarial, pela defesa da universidade como um direito social, da ciência, do SUS e da vacina para todos/as e a defesa do Brasil e da democracia. Esses são desafios para 2022.
Quais os rumos da luta sindical na ADUFRGS?
Historicamente o sindicato é o lugar de proteção dos professores e professoras. Enfrentamos uma situação grave, salários congelados há 5 anos, a ameaça de uma reforma administrativa que ameaça nossa carreira, uma gestão, como é o caso da UFRGS, sem identidade com os interesses da universidade. O sindicato tem um papel importante nesse enfrentamento. Foi o movimento sindical que esteve mobilizado em Brasília para derrubar a votação da reforma administrativa. A ADUFRGS-Sindical e o PROIFES-Federação estiveram presentes.
Os professores e professoras têm de reconhecer que sem um movimento sindical forte e ativo, nós não vamos conseguir evitar o avanço dessas políticas que tentam destruir o estado brasileiro. Portanto, vir ao sindicato filiar-se e fazer a ADUFRGS continuar sendo uma entidade forte e cada vez maior é uma necessidade que temos. Fica aqui esse chamamento aos professores/as para filiação e para aqueles que já estão filiados conclamamos que participem de nossas atividades. O sindicato é extremamente importante na vida da sociedade.
Ouça o podcast com a entrevista.