Na edição do podcast desta sexta-feira, 21, a ADUFRGS-Sindical conversou com a professora Rosemarie Gartner Tschiedel do Curso de Psicologia e do Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social e Institucional do Instituto de Psicologia da UFRGS sobre a importância da campanha Janeiro Branco. Ela também integra o GT de Saúde Mental do Instituto de Psicologia.
Durante a entrevista, a professora Rose ressaltou que a saúde mental não é apenas individual, pois faz parte de um contexto de saúde pública. “A saúde mental atinge o conjunto da população, que pode sofrer sofrimento psíquico e emocional por causa das desigualdades sociais. “Não se trata de uma perspectiva especificamente individual em que a pessoa adoece, mas esse adoecimento é produzido em um contexto histórico, político e social e nas suas relações. Atualmente, observamos uma grande dificuldade de acesso da população à Rede de Atenção Psicossocial em função de um desinvestimento e da precarização dos serviços públicos”, afirmou.
Esse episódio inicia a série de entrevistas com professores especialistas sobre os projetos desenvolvidos na área de saúde mental pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre e os campi do IFRS e IFSul da base da ADUFRGS-Sindical.
Confira alguns destaques da entrevista e ouça o podcast.
ADUFRGS-Sindical – Estamos dentro da campanha Janeiro Branco, de conscientização e alerta para os cuidados com a saúde mental. Como que a ansiedade e depressão afetam a saúde mental do indivíduo, do coletivo e do conjunto da sociedade?
O Janeiro Branco é uma campanha que tem o objetivo de alertar a população sobre a importância dos cuidados com a saúde mental. Alguns sintomas afetam a vida das pessoas, são sinais que aparecem ao longo do tempo e quando extrapolam limites tornam-se sofrimento psíquico e emocional. Isso interfere de forma contundente nas relações sociais, familiares e profissionais. O período de pandemia, que gerou insegurança, expectativas e incertezas, também afetou a saúde mental das pessoas.
E sobre as políticas públicas recomendadas para abordar a saúde mental? Como está a oferta desses serviços para a população no Brasil?
Não se trata de uma perspectiva especificamente individual em que a pessoa adoece, mas esse adoecimento é produzido em um contexto histórico, político e social e nas suas relações. Nesse sentido, no Brasil existe uma política de saúde mental e uma Rede de Atenção Psicossocial chamada RAP, que tem uma proposta significativa historicamente. Atualmente, observamos uma grande dificuldade de acesso em função de um desinvestimento, que podemos chamar de precarização dos serviços públicos, especialmente em saúde mental. O país apresenta muitas dificuldades na atenção em saúde primária, secundária e terciária em termos de investimento, o que dificulta o acesso à saúde pública para as pessoas que mais precisam da política de saúde mental no País.
Dentro do papel social da universidade, quais os estudos desenvolvidos pelo seu grupo de projetos na UFRGS na área da saúde mental?
O Instituto de Psicologia da UFRGS produz estudos de docentes, estudantes de graduação e pós-graduação voltados para a saúde mental em geral desenvolvidos ao longo dos anos e especialmente no período de pandemia. Trata-se de um material muito rico com propostas e projetos que pode ser conferido no site do Instituto.
Como o contexto da pandemia e de fake news, com discussões negacionistas, influi nas questões de saúde mental?
Esse momento é oportuno para fazermos uma reflexão crítica do quanto os discursos e diferentes narrativas, que muitas vezes são contraditórias, geram insegurança. Além disso, causam um tensionamento social que faz as pessoas discutirem sobre aquilo que a gente já poderia considerar como conhecimento consolidado. Quando as fake news aparecem fomentam um debate desnecessário. Isso provoca um grande desgaste, que vai desde as relações bem cotidianas gerando conflitos com familiares, amigos e amigas por causa de diferentes posicionamentos, até o debate nas instituições que ainda não se posicionaram a respeito de um fato que consideram importante, principalmente nesse momento de pandemia. As fake news geram uma insegurança institucional. Existem algumas informações que salvam vidas, mas são atacadas pelas fake news, colocando a população em dúvida e isso é muito negativo.
A ADUFRGS-Sindical trabalha desde 2020 com a campanha “Saúde mental é questão sindical”. Como vê essa preocupação, que amplia a atuação do Sindicato, indo além dos temas relacionados à carreira e salário?
No que se refere ao papel do sindicato, olhar para a saúde mental ou pensar estratégias que podem significar saúde mental é primordial. O trabalho acadêmico exige muito investimento pessoal, ou seja, afeto, cuidado, estudo, tem uma série de exigências e ao mesmo tempo um momento de incertezas em relação à segurança. Pensamos hoje o quanto a universidade pública tem sido desvalorizada, criticada e atacada e essa preocupação é muito legítima em toda a comunidade acadêmica.
As críticas surgem como um desrespeito, quando uma informação é transmitida equivocadamente afirmando que a universidade não produz conhecimento. Essa situação causa um sofrimento que parece silencioso, mas não é, acaba gerando uma vivência de desvalorização, falta de reconhecimento e falta de perspectivas do que vai acontecer diante do cenário que vivemos atualmente. Há dúvidas sobre os investimentos em educação pública e de uma política capaz de acolher, investir e trabalhar pela universidade pública.
Precisamos seguir lutando pela democracia diante desse momento de tensionamento dentro das universidades. Precisamos criar espaços de comunicação e integração e muito diálogo entre professores. O compartilhamento e o processo de escuta são fundamentais, viabilizando a promoção em saúde mental. Temos que pensar em estratégias de resistência para assegurar que a universidade seja sempre um espaço livre e de cultivo à democracia. O que se produz na universidade pública é precioso para a sociedade, pois o Brasil precisa muito de educação pública de qualidade para redução das desigualdades sociais.
Quais as condições de trabalho que podem ser fator de adoecimento físico e sofrimento psíquico, para os trabalhadores em geral e especificamente no caso dos professores da universidade?
A forma como é organizado o processo de trabalho faz com que se consolide um espaço de saúde vulnerável para o adoecimento mental. O sofrimento mental dos professores é vivido no corpo com situações que podem gerar depressão e outros quadros clínicos em função do nível de incerteza, da falta de apoio, de comunicação e de uma relação respeitosa e democrática. A universidade pode sim ser um espaço de produção, promoção e prevenção de saúde mental e integral.
Como a campanha Janeiro Branco deve ser observada?
É importante que as pessoas olhem para o Janeiro Branco sem preconceitos e estigmas para podermos falar mais sobre o que se passa com as pessoas e sua saúde mental. É importante considerar que a saúde mental não é algo que pertence somente a uma pessoa, algo vivido no individual. O Brasil apresenta uma demanda de saúde mental pública especialmente pelas condições socioeconômicas em função do racismo, das desigualdades, de todas as formas de preconceito e discriminação.
No entanto a campanha tem um aspecto voltado para si na busca de saúde mental, mas é preciso ampliar esse olhar no sentido de garantir acesso a todas as condições que envolvem a saúde. A população precisa ter acesso a toda a rede de saúde do Sistema Único de Saúde. O Janeiro Branco deve avaliar a continuidade de políticas públicas para proteger e assistir a população quando for necessário. A condição nunca é pessoal, é uma questão de saúde pública.
Ouça o podcast aqui.