Na edição desta sexta-feira, 18, o podcast da ADUFRGS-Sindical traz uma entrevista com Gislei Domingas Romanzini Lazzarotto, professora aposentada do Departamento de Psicologia Social e Institucional da UFRGS.
Gislei também atua como psicóloga apoiadora do Programa de Extensão da Universidade “Clínica Feminista na Perspectiva da Interseccionalidade” em parceria com a Themis – Gênero, Justiça e Direitos Humanos, a Casa de Referência Mulheres Mirabal e o Coletivo Feminista Olga Benário.
Este episódio faz parte da programação da campanha do sindicato “Desafios das mulheres na defesa de direitos”, que conta com vídeos, entrevistas e matérias alusivas ao Mês da Mulher divulgadas nas mídias da ADUFRGS.
Durante a conversa com a ADUFRGS-Sindical a professora Gislei falou sobre a questão de gênero no cenário político e econômico brasileiro com o aumento dos casos de violência e a falta de políticas públicas para as mulheres. “Diante da perspectiva neoliberal que temos hoje no Brasil e do avanço de uma concepção fascista da vida, nós temos como princípio orientador desse cenário político e econômico a desigualdade e a exclusão. Um dos critérios de exclusão é a vivência de gênero”, refletiu.
Ouça o podcast aqui.
Veja alguns destaques da entrevista com Gislei Domingas.
ADUFRGS-Sindical – Na sua opinião, como a questão de gênero tem sido tratada no cenário político e econômico do Brasil?
Estamos vivendo um momento bastante crítico em relação a todas as questões que dizem respeito a gênero, raça e etnias que tem uma gravidade no País. Há um certo desprezo em relação à urgência desse assunto e um viés extremamente ideológico para abordar os índices de violência crescente. Mais que isso há um estímulo de uma concepção sexista que nos afasta da possibilidade de compor políticas para superação dessa realidade. Diante da perspectiva neoliberal que temos hoje no Brasil e do avanço de uma concepção fascista da vida, nós temos como princípio orientador desse cenário político e econômico a desigualdade e a exclusão. Um dos critérios de exclusão é a vivência de gênero. Neste novo século está se criando um princípio de vidas que importam e que não importam. Esse critério ligado ao sexismo e a uma lógica patriarcal, que vincula a experiência de gênero vai se cruzar com o racismo. Quando tratamos da violência de gênero, observamos uma maior incidência nas mulheres negras.
Temos um cenário muito crítico e grave de enfrentamento de dificuldades no trabalho com as mulheres e de uma necessidade de luta do ponto de vista do ativismo, dos partidos políticos e das organizações sociais. Atualmente, vivenciamos processos de exclusão e lógicas que submetem a mulher à violência e a uma condição econômica que não cria possibilidades de autonomia e de uma perspectiva econômica para superar essa situação de desigualdade social.
De que forma as políticas públicas contribuem para o cotidiano das mulheres?
Desde o mais básico que é a mulher reconhecer o seu corpo. Ter a possibilidade de acessar uma política de saúde e de cuidado quando uma menina ou adolescente, por exemplo, vai se constituindo como uma mulher. Temos uma legislação específica em relação à pobreza menstrual e não conseguimos imaginar que uma mulher não possa ter condições econômicas de ter um absorvente higiênico, algo básico e fundamental na vida de uma mulher. A negação desse acesso impede que uma adolescente constitua a visão do seu próprio corpo e de sua vida reprodutiva. Devemos pensar no desenvolvimento dessa mulher e no acesso às políticas de saúde e no acesso a uma condição de vida, de cuidado e de valorização do seu trabalho.
As políticas públicas são necessárias para assegurar os direitos e a valorização do trabalho das mulheres, o acesso à renda e a possibilidade de ter os filhos em uma escola infantil. Todas essas políticas públicas criam condições para nós nos tornarmos as mulheres que desejamos ser. No momento que não temos esse acesso, que é algo básico e fundamental, o desenvolvimento democrático e igualitário da sociedade é impossibilitado e isso vai se reproduzindo para homens e mulheres. Assegurar políticas para as mulheres é assegurar para toda a sociedade, estabelecendo uma relação justa, igualitária e efetivamente democrática.
A luta das mulheres garantiu uma série de direitos e conquistas ao longo dos anos. No entanto, existe um retrocesso no País, que ameaça direitos femininos e compromete o orçamento das políticas públicas. Como fazer a defesa dos direitos?
A organização coletiva de movimentos sociais, sindicais, entre outros, é fundamental na defesa de direitos. No Brasil existem organizações fortes relacionadas às questões de gênero. Profissionais da saúde, educação e judiciário têm uma função importante nesse debate da defesa de direitos. Devemos defender o acesso mais igualitário de mulheres no trabalho e a mentoria feminina na gestão empresarial para garantir a defesa de direitos. Além das organizações que lutam pelas mulheres, temos ainda o papel dos partidos políticos, que se dizem democráticos, e podem assegurar que as mulheres sejam candidatas, sejam eleitas e que possam permanecer em seus mandatos.
Na perspectiva de combate à violência contra a mulher, a UFRGS desenvolve o Programa de Extensão “Clínica Feminista na Perspectiva da Interseccionalidade” em parceria com a Themis – Gênero, Justiça e Direitos Humanos, a Casa de Referência Mulheres Mirabal e o Coletivo Feminista Olga Benário. Qual a proposta deste programa?
Este programa surgiu a partir de um grupo de pesquisa do Programa de Pós-graduação da UFRGS coordenado pela professora Simone Paulon do Departamento de Psicologia Social e Institucional da Universidade, que durante um trabalho vinculado às políticas de exclusão na cidade, fez uma aproximação à experiência da Casa Mirabal, vinculada ao Movimento Olga Benário, que possui um trabalho em todo o Brasil referente à luta pelos direitos das mulheres. Também aproximou a experiência da militância da professora Simone com organização social Themis, que existe há 25 anos em Porto Alegre.
Em 2019 surgiu uma demanda relacionada ao sofrimento psíquico das mulheres que sofrem violência de gênero. Muitas mulheres passam por sofrimento apenas pelo fato de serem mulher, com situações de abuso, assédio, preconceito e violência máxima, inclusive feminicídio.
O Programa de Extensão da UFRGS “Clínica Feminista na Perspectiva da Interseccionalidade” conta com 25 pessoas entre professoras, profissionais da saúde e estudantes que pensam na demanda de atenção e cuidado às mulheres, voltada para a saúde mental coletiva. No início da pandemia, em 2020, criamos uma estratégia de escuta e apoio mútuo para as mulheres em situação de violência e enunciam o seu sofrimento e a necessidade de serem acolhidas. Todo o processo é feito de forma online observando a perspectiva de uma ética feminista. Compomos a possibilidade de cuidar e acolher entre mulheres. Trata-se de um programa da Universidade de formação e intervenção a partir da relação com os movimentos e organizações sociais, a fim de escutar e acolher as mulheres em situação de violência de gênero. O programa atende 30 mulheres em grupos.
Hoje, temos um modo de governar no Brasil que incentiva as práticas machistas e sexistas. Temos conquistas como a Lei Maria da Penha a Declaração Universal dos Direitos Humanos desrespeitadas por este governo, que não garante o acesso das mulheres às políticas públicas como saúde e educação. A defesa dos direitos das mulheres é uma luta de todos e todas.
A ADUFRGS-Sindical está inserida nesse programa e junto à CUT/RS contribui com a doação de cestas básicas para as mulheres atendidas pela Clínica Feminista na Perspectiva da Interseccionalidade.