Margaridas, muito mais do que flores (por Ana Boff de Godoy)

Foi lindo de ver tantas margaridas, de todos os cantos do país, de diferentes cores, corpos , idades e vozes, juntas pela reconstrução do Brasil.

Ana Boff de Godoy (*)

Desde o ano 2000, Brasília vem sendo palco da Marcha das Margaridas, que se constitui atualmente como o maior encontro de mulheres do Brasil e da América Latina. Encabeçada pela CONTAG, e com a parceria de um grande número de sindicatos, federações, confederações e organizações sociais, a 7ª Marcha das Margaridas aconteceu entre os dias 15 e 16 de agosto e contou com a presença de mais de 100 mil mulheres.

Por vários fatores, essa foi uma edição muito especial. O primeiro deles é que em 2023 Margarida Maria Alves completaria 90 anos, se não tivesse sido brutalmente assassinada há 40 anos, em frente à sua casa e sob os olhos de seu filho, de apenas 8 anos, em Lagoa Grande, Paraíba. Margarida foi uma camponesa, mãe, trabalhadora rural, e uma das primeiras mulheres sindicalistas. Por 10 anos (até sua morte), liderou o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de sua cidade, incomodando latifundiários ao lutar bravamente por direitos básicos, como jornada de trabalho de 8 horas, direito a férias, ao 13º salário, à carteira de trabalho assinada e à licença maternidade. Margarida defendia o direito à pequena propriedade para cultivo, o fim da exploração do trabalho e do trabalho infantil, além do o direito à educação. Nesse sentido, criou, em sua gestão como presidenta sindical, um programa de alfabetização de adultos. Quando foi morta, mais de 72 ações na justiça do trabalho tramitavam sob sua iniciativa. 

Margarida não era uma flor frágil, mas teve a vida ceifada pela covardia e pela ganância dos exploradores latifundiários. A vida de Margarida Alves foi interrompida, mas não os seus sonhos, tampouco suas realizações. No último dia 16, seu nome foi lavrado no Livro dos Heróis e Heroínas da Pátria no mesmo momento em que margaridas em bando marcharam por 6 quilômetros na Esplanada dos Ministérios até serem recebidas pelo Presidente da República, por quase a totalidade de seus ministros e ministras, além de deputadas/os e senadoras/es. 

E foi lindo de ver tantas margaridas, de todos os cantos do país, de tantas diferentes cores, corpos , idades e vozes, bradando juntas pela reconstrução do Brasil, pela garantia de políticas públicas para o bem viver das mulheres do campo, da floresta, das águas e das cidades. Foi emocionante marchar com tantas margaridas-irmãs pelos mesmos sonhos: soberania alimentar; fim da fome; educação e saúde pública, gratuita e de qualidade para todas as pessoas; garantia dos direitos humanos, dos bens comuns, da sociobiodiversidade, do trabalho decente; fim de todos os tipos de violência, em especial contra as mulheres; presença de mulheres em todos os espaços de poder; um mundo mais igualitário, gentil e humano…

Tantos sonhos coletivos que podem, sim, se tornar realidade a partir do trabalho coletivo. Nessa marcha, as margaridas organizadas em movimentos sociais e sindicais colheram bons frutos, como a instituição de um grupo de trabalho de acompanhamento das devolutivas da pauta apresentada, o qual será coordenado pela deputada Benedita da Silva. Muitos anúncios importantes também foram apresentados pela ministra das Mulheres, Cida Gonçalves, e pelo ministro do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar, Paulo Teixeira. Além disso, vários decretos atendendo às reivindicações foram assinados pelo presidente Lula durante a cerimônia de encerramento da 7ª Marcha das Margaridas. Essas importantes conquistas podem ser conferidas na página oficial da Marcha das Margaridas.

Que venha a 8ª Marcha das Margaridas (2027) e que possamos colher as flores e os frutos de uma sociedade verdadeiramente democrática e justa, em que todas as pessoas tenham seus direitos fundamentais (já garantidos pela nossa Constituição) atendidos.

(*) Professora da UFCSPA, Vice-presidenta da ADUFRGS-Sindical e Diretora executiva eleita da Secretaria de Políticas Sociais da CUT-RS

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