Mais um 8 de março em que nós, mulheres, passamos com o coração na mão.
Na semana passada, Milena foi morta pelo seu marido quatro horas após sair da delegacia de Tupã/SP pedindo uma medida protetiva contra ele. Casados há 29 anos, Milena não poderia imaginar que sua vida terminaria pelas mãos daquele que lhe prometeu amar. Marcelo foi preso em flagrante, depois de ter derrubado o portão com o carro, arrombado as portas da casa e o abdômen de sua esposa, extraindo dele as vísceras e, por fim, seu coração.
Em janeiro, Nara foi morta pelo companheiro, que colocou seu corpo em uma geladeira e o concretou. A falta de Nara foi comunicada à polícia de Osório/RS, que encontrou a geladeira-caixão deitada no meio da sala do casal, coberta de imagens religiosas. A marcha de hoje no litoral gaúcho é em seu nome.
Em Porto Alegre, marchamos em nome de Mayla, morta nos primeiros dias do ano pelo seu ex-namorado, com golpes de espeto de churrasco, na frente dos filhos. Mayla foi morta da mesma maneira que Jacqueline, em Salvador.
Em todo o Brasil, marchamos em nome de Mariele, cujo assassinato completará 6 anos no próximo dia 14, ainda sem solução.
Mas haverá solução para um assassinato? Haverá solução para os estupros e para todo o tipo de violência a que as mulheres continuam sendo expostas diuturnamente? Haverá solução para a dor de ter seu corpo violado, sua mente torturada, sua integridade desrespeitada? Haverá solução para a dor de ter o corpo de sua filha violado? Haverá solução para a dor de ter seus filhos assassinados?
Nesse 8 de março, marchamos em nome de todas as mães palestinas que seguram, não sei com que força, o seu coração na mão, ainda pulsando pelas mais de 12 mil crianças mortas. Doze mil crianças, entre 30 mil palestinos mortos em cinco meses de um conflito que parece não ter solução.
Marchamos em nome das mães israelenses que perderam suas filhas e filhos no ataque do Hamas; das mulheres estupradas e mortas em Israel e em Gaza; das mulheres que sofrem violações na guerra civil do Iêmen; das mulheres nigerianas raptadas e violadas sem trégua pelo Boko Haram…
Marchamos em nome das mães que perdem seus filhos pro tráfico e suas filhas pra prostituição; das mães que perdem seus filhos e filhas para balas perdidas quando voltam da escola ou quando estão na escola ou mesmo quando estão em casa brincando; das mães que perdem seus filhos e filhas pro racismo que estrutura nossa sociedade.
Marchamos em nome de todas as mães e das mulheres que não querem ser mães.
Marchamos em nome das mulheres pretas, das mulheres indígenas, das mulheres lésbicas, das mulheres bi, das mulheres trans.
Marchamos em nome da vida de todas as mulheres, do respeito a todas as mulheres e da igualdade entre todas as pessoas. Marchamos pelo óbvio, por aquilo que está lavrado na Declaração Universal dos Direitos Humanos e também na nossa Constituição Federal, mas que nossa (des)humanidade insiste em violar.
Marchamos porque acreditamos que a humanidade ainda tem jeito. Marchamos porque temos o direito de ocupar todos os lugares, de exercer a profissão que quisermos, de existir em nossos corpos da forma que eles forem. Marchamos porque temos o direito de não ser interrompidas em nossas falas e ações e de não ter nossas vidas interrompidas porque alguém que nos julga objeto.
Marchamos porque foi marchando que conseguimos votar, casar por vontade própria, divorciar-nos, frequentar escolas e universidades, receber heranças, participar de movimentos políticos e sindicais, receber licença-maternidade, dirigir, exercer profissões que antes eram consideradas exclusivas dos homens, receber o mesmo salário que eles no exercício da mesma profissão… E é por isso que ainda acreditamos que há, sim, solução pra fazer parar de doer esse coração que carregamos em nossas mãos e em nossos peitos.
Ana Boff de Godoy é Professora do Departamento de Educação e Humanidades da UFCSPA, Vice-Presidente da ADUFRGS-Sindical, Secretária de Políticas Sociais e Direitos Humanos da CUT-RS, Diretora de Relações Internacionais do PROIFES-Federação.
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